Comer bem não precisa ser complicado nem caro
Se alimentar bem deveria ser algo simples. Nossos avós nem mesmo tinham essa preocupação, já que apenas o fato de ter comida disponível já era o suficiente para eles. No entanto, a multiplicação de conselhos que às vezes são contraditórios criou o mito atual de que comer bem é complicado e caro. Virou algo quase impossível de se conseguir e que exige muito conhecimento nutricional.
Por que esse mito de que "comer bem é complicado" é tão difundido?
A nutrição é um tópico onipresente em revistas, jornais, mídias sociais e também objeto de inúmeros livros e documentários. Existem estudos que observam que essas mídias têm veiculado cada vez menos receitas e cada vez mais "cientificismo", mais beleza e menos saúde. O problema é que as dicas, frequentemente negativas, são sobre o que não comer e as mensagens ficaram confusas. Na verdade, uma diversidade de fontes com abordagens muito diferentes está alimentando o discurso atual sobre nutrição: profissionais de saúde, representantes da indústria de alimentos e governos, agricultores, jornalistas, lobistas, ambientalistas, treinadores esportivos, documentários, gurus, blogueiros, youtubers, etc…
Essa multiplicação de mensagens contribui para a criação de uma "cacofonia nutricional", uma expressão inventada pelo sociólogo de alimentos Claude Fischler. Esse discurso também abre a porta para todos os tipos de crenças sobre alimentos, como a ideia de que você deve excluir categorias inteiras ou comprar itens exóticos com virtudes milagrosas.
Expostas a mensagens muitas vezes contraditórias, as pessoas acabam acreditando que comer "saudável" é complicado, porque elas têm dificuldade em diferenciar o verdadeiro do falso. Isso também as torna mais vulneráveis às tendências alimentares na indústria e na mídia e aos modismos.
Esta superabundância de mensagens pode eventualmente levar a uma forma de fadiga e a uma perda de confiança dos consumidores no discurso nutricional. "Comer mais frutas e vegetais? Mas lemos em todos os lugares que estão cheios de agrotóxicos!"
Ao longo dos anos, escutamos uma coisa e seu contrário. Um exemplo disso é o coitado do ovo que, desde os anos 60, alterna a cada década entre vilão e bonzinho. Felizmente estamos numa década na qual se tornou bonzinho de novo!
Como nutricionistas, somos testemunhas todos os dias da confusão dos nossos pacientes. É uma pena, porque, na realidade, a nossa mensagem tem sido essencialmente a mesma durante algumas décadas: você deveria comer uma variedade de alimentos, principalmente vegetais (frutas, legumes, grãos) e preferir água no lugar de outras bebidas. Infelizmente, esta mensagem foi perdida ao longo do caminho, talvez porque seja uma mensagem simples demais!
Os nutricionistas têm sua parte de responsabilidade nessa cacofonia?
Na verdade, os nutricionistas também participam do ruído ambiente. É uma das poucas profissões que gozam de uma presença tão grande na mídia. A mesma mensagem, "simples" como deveria ser, não pode ser repetida sem parar. Infelizmente, ninguém se interessa por discursos sobre moderação e liberdade de escolha. Falamos sobre notícias, novas tendências alimentares, descobertas e estudos promissores. Exceto que, na realidade, não há muita novidade cientificamente válida em nutrição, porque é uma ciência bastante complexa.
Por que a nutrição é tão complexa?
É difícil reduzir a nutrição para um único elemento, como é o caso de estudos clínicos em outras áreas da saúde. Como costumo dizer, o ser humano se nutre de alimentos e sentimentos. Além da complexidade do nosso corpo e metabolismo, entram na equação muitos outros fatores. O comportamento e a cultura são tão importantes quanto o nutriente.
Por isso, devemos prestar atenção à interpretação que fazemos dos estudos e do que lemos por aí para não ter essa visão reducionista focada somente no nutriente. Como seres humanos, gostamos de pensar que consumir suplementos ou alimentos "milagrosos" é bom para nossa saúde, mas essa visão é muito simplista. Temos que enxergar comida com uma perspectiva muito mais ampla.
A nutrição é complexa, mas comer bem é simples
Na verdade, para a maioria das pessoas, comer bem deveria ser muito mais simples do que aparenta ser. Deveria também ser muito mais barato do que a indústria alimentar quer que acreditemos porque, afinal, os alimentos que devemos privilegiar são os alimentos in natura ou pouco processados. Não dependemos de alimentos processados ou ultra-processados para nos alimentar bem.
Além disso, é importante lembrar que não é apenas comida que entra em jogo quando se trata de uma alimentação saudável: comer em paz, cozinhar e comer juntos também são parte da solução. Comer bem é comer de tudo, sem culpa, sem restrição, com prazer e escutando suas emoções e fome. Comer de tudo, mas não tudo!
Como qualquer mudança de hábito, alcançar isso leva algum tempo. Mas uma vez que entendemos que é a base de uma alimentação saudável, podemos nos concentrar nisso. É mais fácil do que excluir muitos alimentos para tentar seguir alguma dieta, assim como é mais barato do que comprar a maioria dos alimentos da moda.
Faça as pazes com a comida!
Bon appétit.
Sophie Deram
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