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Blog da Sophie Deram

Fome persiste mesmo após dois anos do fim de uma dieta restritiva

Sophie Deram

21/02/2018 04h01

Dieta

Crédito: iStock

Você não é a mesma pessoa após um regime para emagrecer . Mesmo dois anos depois, a dieta desencadeia mudanças metabólicas e você fica com mais fome.

Em um novo estudo publicado pelo American Journal of Physiology Endocrinology and Metabolism, acadêmicos noruegueses e dinamarqueses mostram que a secreção de grelina, um dos hormônios da fome, aumenta e continua alta até dois anos após o início da dieta.

A perda rápida de peso é considerada um sucesso digno de elogios na nossa sociedade neurótica pela magreza, que a confunde com beleza e saúde. O problema é que nossa genética, biologia, e nosso sistema de sobrevivência se sentem ameaçados pela perda rápida de peso. Com isso, toda uma maquinaria metabólica se modifica com dois mecanismos bem descritos há mais de 30 anos: o metabolismo diminui e a fome aumenta. Isso acontece provavelmente como tentativa do corpo de se proteger dessa emagrecimento rápido e de recuperar suas reservas de energia.

Esse estudo acompanhou 35 adultos que sofrem de obesidade, com IMC maior que 40 kg/ m2, em um programa com dieta de baixas calorias, consultas com nutricionistas e psicólogos e atividade física. Eles perderam em média de 11 kg. Após dois anos, foi observado que eles ainda estavam com fome maior.

Nas primeiras semanas o corpo está surpreso, e daí vem a rápida perda de peso. No entanto, uma série de adaptações acontecem, e uma delas é o aumento da fome. Essas defesas do corpo contra restrições são não apenas normais e universais, como também resistentes.

Esse é mais um estudo que observa que, no começo, a dieta sempre funciona. O problema é em longo prazo!

Porque será que todo mundo fracassa na dieta? De cada 100 indivíduos, cerca de 95 recuperam o peso perdido (ou mais) em um intervalo de dois a cinco anos.

Fracassar na dieta é normal

Primeiro, devido à fisiologia, não tendo nenhuma relação com a falta de disciplina. Nosso corpo não quer perder peso rapidamente, ele não está programado para isso.

O interessante desse estudo foi que o resultado de perda de peso foi modesto, mas a taxa de grelina, o hormônio da fome liberado pelo estômago, permaneceu bem acima da média. Com peso igual, quem emagreceu rapidamente terá mais fome do que aquele que permaneceu estável no peso. Esses resultados demonstram que a perda de peso na obesidade deveria ser perseguida por meio de resultados graduais, e não com pressa e agredindo o corpo. Parar de engordar já é um primeiro sucesso.

Fazer dieta restritiva não funciona em longo prazo!

Diversas tentativas recentes buscaram avaliar métodos de emagrecimentos e o resultado em longo prazo sempre foi decepcionante: o peso volta!

Em 2014, um estudo australiano submeteu 200 obesos a dois tipos de regime com o objetivo de perder cerca de 15 kg:

  • Uma dieta intensiva com restrição severa e consumo total de 450 a 800 calorias por dia.
  • Uma dieta moderada com diminuição diária de 500 calorias.

O objetivo foi alcançado em três meses com a dieta intensiva e em nove meses com a dieta moderada. Dois anos e meio depois, três quartos dos participantes em ambos os grupos recuperaram os quilos inicialmente perdidos.

Em 2017, a revista JAMA  avaliou a perda de peso fazendo jejum intermitente e a comparou com um método clássico de dieta restritiva. Após seis meses de emagrecimento similar, os dois grupos voltaram a ganhar peso.

Em 2016, um estudo publicado na revista Obesity avaliou as mudanças metabólicas dos participantes do intenso programa norte-americano "The Biggest Loser" após 6 anos. Resultado: as pessoas não só recuperaram o peso perdido — ou até mais — como demonstraram tendências a piora do metabolismo e do perfil glicêmico.

É mais do que necessário revermos nossos conceitos sobre emagrecimento e percebermos que essas técnicas de perda de peso não somente não funcionam como podem até mesmo piorar o estado de saúde e apetite dos pacientes. O Lancet publicou em 2014 um dado alarmante, mostrando que até hoje nenhum país no mundo conseguiu diminuir a prevalência da obesidade nesses últimos trita anos. Nenhum!

Para emagrecer sem assustar o cérebro, a dica é reduzir devagar o apetite comendo melhor e não menos, diminuindo os pequenos excessos diários e aumentando sua atividade física. Em vez de focar no peso, foque na saúde e bem-estar e faça as pazes com a comida, o peso é consequência.

Bon appétit!

Sophie Deram

 

Sobre a autora

Sophie Deram é uma nutricionista franco-brasileira, autora do best-seller “O Peso das Dietas”, palestrante, pesquisadora e doutora pela Faculdade de Medicina da USP (Universidade de São Paulo) no departamento de endocrinologia. Defende a importância do prazer de comer para a saúde e a ideia de comer melhor e não menos. Sophie não acredita nas dietas restritivas e no “terrorismo nutricional”. Desenvolve programas online para transformar a relação das pessoas com comida e ensina profissionais de saúde sobre nutrição que alia ciência e consciência.Leia mais no site da Sophie Deram: https://www.sophiederam.com/br/

Sobre o blog

Dicas, reflexões e estudos sobre a relação do nosso corpo com a comida, com foco em alcançar uma relação tranquila com os alimentos e, assim, obter um peso saudável. Esse é um espaço que passa longe dos modismos alimentares. Aqui promoveremos mudanças de hábitos que vão te ajudar a viver melhor. Acredito que o ser humano se nutre de alimentos e sentimentos.