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Blog da Sophie Deram

"Gordinho"? Fazer piadas com o peso dos filhos pode virar problemão

Sophie Deram

22/08/2018 04h00

Crédito: iStock

Dizem por aí que "a palavra tem poder" –quanto mais você fala sobre determinado assunto, mais o atrai para sua vida. Você pode não acreditar nisso, mas, no que se refere à imagem corporal de crianças e adolescentes, essa frase tem feito cada vez mais sentido para a ciência.

Piadinhas e provocações sobre o peso podem até parecer inofensivas ou ser encaradas como "críticas construtivas", mas, na verdade, podem abrir espaço para um comer transtornado, aumentando o risco de obesidade e de possíveis transtornos alimentares.

Inúmeras pesquisas comprovam que o comportamento dos adultos tem uma grande influência – para o bem e para o mal – na forma como crianças e adolescentes se enxergam diante do espelho e também como se relacionam com a comida.

Se você tem filhos, ou convive com crianças e adolescentes, fica o convite: que tal ajudá-los a ter mais amor próprio? A ideia aqui não é isolá-los em uma bolha à prova de comentários negativos. É importante aprender, desde cedo, a lidar com as próprias "imperfeições" e limitações.

Mas, no que se refere à imagem corporal, não deveríamos dar ainda mais força para o padrão estético imposto, baseado na magreza a qualquer custo –que pouco (ou nada) tem a ver com saúde.

Então não pode mais brincar?

Brincar é saudável, claro! Mas reforço que quando o motivo da piada é o peso, o buraco é mais embaixo. Isso pode gerar traumas e mudar completamente a forma como essa criança ou adolescente enxerga os alimentos.

A ciência tem demonstrado isso por meio de diversas pesquisas. Uma delas, conduzida pela University of Minnesota, investigou como os diálogos dos pais sobre peso, as dietas da família e também as brincadeirinhas e provocações a respeito do peso influenciaram a vida de meninas na faixa dos 15 anos.

Ficou comprovado que esse tipo de comportamento dos pais aumenta a insatisfação corporal, estimula a preocupação excessiva com peso e pode ser a porta de entrada para transtornos alimentares, como o descontrole diante da comida seguido de compulsão alimentar.

Um outro exemplo é um estudo que avaliou o comportamento de 372 meninas em torno dos 13 anos, na região de Tampa Bay, na Flórida. O principal objetivo era identificar a associação entre insatisfação corporal e as provocações dos familiares sobre peso.

Os resultados não só comprovaram essa relação como também um crescente hábito de se comparar com os outros e de ter como ideal de vida o corpo magro. Além disso, foram relatados comportamentos bulímicos, traços de depressão e baixíssimos níveis de autoestima.

Por outro lado…

Outro estudo publicado no último mês de julho no British Medical Journal mostrou que o risco de obesidade é menor entre as crianças cujas mães mantêm um estilo de vida saudável –têm qualidade alimentar, praticam atividade física regular, não fumam e consomem álcool com moderação.

Mais uma vez a ciência comprova que a atmosfera em que a criança ou adolescente está inserida é um fator determinante para sua saúde! Tanto física quanto mental.

Não é à toa que a American Academy of Pediatrics recomenda as mesmas diretrizes de prevenção tanto para obesidade quanto para os transtornos alimentares.

  • Desencorajar dietas restritivas: porque aumentam o risco de compulsão do comer transtornado e também de ganhar mais peso.
  • Tirar o foco do peso: pois isso estimula a obsessão por dietas.
  • Evitar brincadeiras e piadas a respeito do peso: isso aumenta a preocupação exagerada e ansiedade em torno do peso.
  • Estimular uma boa imagem corporal: com foco na saúde, e não no padrão estético vigente.
  • Fazer refeições em família: pois esse simples hábito é associado a um comer melhor, um melhor comportamento alimentar, assim como um aumento da qualidade do consumo, incluindo mais comida de verdade (grãos, frutas, legumes, verduras, carnes de todos os tipos, etc.).

A responsabilidade não é só da mãe!

Por fim, quero reforçar que o compromisso em abraçar essa abordagem mais positiva não é só da mãe. Pais, avós e familiares em geral, colegas que praticam bullying na escola e até mesmo professores (como os de balé, por exemplo), podem ser responsáveis por essa angústia com relação ao corpo que muitas vezes começa com uma piada ou crítica "construtiva".

Se você nota no seu filho uma preocupação exagerada com o peso ou com calorias dos alimentos, procure a fonte que está gerando esse tipo de pensamento nele.

Às vezes esse tipo de comentário pode nem ser direto ou explícito. Se na sua casa, por exemplo, se fala muito sobre dieta e sobre a vontade eterna de emagrecer, indiretamente ele também pode se sentir pressionado a perder peso – mesmo que esteja com a saúde em dia.

"Fulana está tão gorda, você viu?"

Fofocar sobre o corpo dos outros também não é legal. Essa patrulha do peso alheio é um sintoma do mundo moderno que está deixando todo mundo maluco. E as crianças deveriam ter exemplos mais positivos, aprendendo a valorizar as pessoas pelo que elas são, e não pelo número de calça que vestem.

Procure fazer as pazes com a comida e com o corpo e incentivar isso nas crianças e adolescentes que convivem com você, estimulando o hábito de comer mais comida de verdade, de forma consciente, com prazer e moderação.

Se cada um fizer um pouquinho, pode ser que um dia teremos menos pessoas obcecadas por dietas, e mais pessoas saudáveis, felizes e tranquilas com o ato de comer.

Bon appétit!

Sophie Deram

Sobre a autora

Sophie Deram é uma nutricionista franco-brasileira, autora do best-seller “O Peso das Dietas”, palestrante, pesquisadora e doutora pela Faculdade de Medicina da USP (Universidade de São Paulo) no departamento de endocrinologia. Defende a importância do prazer de comer para a saúde e a ideia de comer melhor e não menos. Sophie não acredita nas dietas restritivas e no “terrorismo nutricional”. Desenvolve programas online para transformar a relação das pessoas com comida e ensina profissionais de saúde sobre nutrição que alia ciência e consciência.Leia mais no site da Sophie Deram: https://www.sophiederam.com/br/

Sobre o blog

Dicas, reflexões e estudos sobre a relação do nosso corpo com a comida, com foco em alcançar uma relação tranquila com os alimentos e, assim, obter um peso saudável. Esse é um espaço que passa longe dos modismos alimentares. Aqui promoveremos mudanças de hábitos que vão te ajudar a viver melhor. Acredito que o ser humano se nutre de alimentos e sentimentos.