Topo

Blog da Sophie Deram

Pesquisas em nutrição: será que podemos confiar em tudo que lemos por aí?

Sophie Deram

27/03/2019 04h00

Crédito: iStock

Extra, extra!

"Ovo aumenta o risco cardiovascular" ; "Ovo faz bem à nosso cérebro" ;

"Dieta liquida emagrece" ;

"Bebidas diet aumentam o risco de ataque cardíacos em mulheres" ;

"Consumir carnes vermelhas aumentam em 54% o risco de gordura no fígado" ;

"Chocolate melhora a memória" ;

"Beber café aumenta a expectativa de vida."

Títulos sensacionalistas vendem mais e (infelizmente) chegam mais longe…

Pois é… Todos os dias nos deparamos com algum enunciado com tom de furo de notícia sobre novas pesquisas em nutrição. E de fato, existem muitos artigos científicos que relacionam alguns alimentos a algum parâmetro da nossa saúde.

Porém, descrever um alimento como sendo o único responsável por alguns efeitos benéficos, ou danosos, na saúde de um grupo de pessoas é longe da realidade científica e até irresponsável.

Se formos olhar mais de perto, alguns desses artigos trazem consigo muitos vieses estatísticos, ou seja, trazem informações tendenciosas ou equivocadas. Isso pode ser muito perigoso nas mãos de pessoas que buscam ibope na internet. Quanto mais sensacionalismo, likes e compartilhamentos melhor. É essa a visão de sucesso para muitos na mídia e nas redes sociais…

Sensacionalismo vende!

Não é por acaso que emagrecer rápido e usar pílulas milagrosas são campeões nos motores de busca na internet e sites que falam sobre isso bombam.

Muitos desses títulos vêm até mesmo de pesquisadores renomados, e que me inspiraram muito, como Brian Wansink, cujas publicações foram citadas mais de 20 mil vezes, e que ajudou até mesmo a editar o Guia de Boas Condutas Alimentares do Departamento da Agricultura dos Estados Unidos.

Recentemente, ele teve mais de 15 artigos excluídos de revistas científicas por "apresentarem dados impossíveis de verificar e por apresentarem problemas de métodos científicos".

Esse caso só reforça um panorama maior do que vemos por aí… existem estudos com rabo preso na indústria, como parece que os estudos que correlacionaram as gorduras e doenças cardiovasculares por anos foram financiados pela indústria açucareira dos Estados Unidos. Sabemos hoje que associar gordura às doenças cardiovasculares provavelmente foi o maior erro da nutrição porque incentivou uma demonização da gordura que perdura até hoje. Por isso é sempre muito importante saber quem financia os estudos que lemos por aí… Infelizmente existem muitos conflitos de interesses.

Correlações duvidosas alimentam a lista dos alimentos milagrosos

Embora a maioria dos estudo que estabeleçam uma relação de causa e efeito não sejam fraudulentos ou manipulados sordidamente, os estudos que correlacionam o consumo de um alimento e a propensão ou salvação do desenvolvimento de alguma doenças às vezes só se focam em um único parâmetro (por exemplo, colesterol sanguíneo ou glicemia de jejum). Isso ignora o fato de que cada corpo é um corpo, com um histórico, genética e hábitos diferentes! É impossível isolar um único fator do nosso modo de vida. O que é bom pra você pode ter outro efeito na sua amiga ou vizinha… Desconfie sempre quando você ler coisas do tipo "comer 100 gramas de espinafre pode prevenir o envelhecimento."

Além disso essas pesquisas em nutrição às vezes têm um tempo curto de estudo e poucos participantes, e quanto menos participantes, menos representativo da população total esse estudo é.

A nutrição está perdendo a confiança da opinião pública?

Essa onda de publicações sensacionalistas tem manchado a credibilidade das pesquisas em nutrição. A impressão que temos, às vezes, é que a confiança pública na ciência da nutrição está se desgastando. A perda da confiança pública é provavelmente uma consequência de múltiplos fatores como a crescente complexidade da ciência moderna, a percepção de que "especialistas" estão continuamente mudando as avaliações das evidências disponíveis. Gordura saturada aumenta o risco de doenças cardiovasculares, agora não mais… Alimentos light ajudam no emagrecimento, agora não mais…  Ovo aumentava o mau colesterol, agora não mais… Alguns antioxidantes previnem câncer, agora não mais…

Mas isso não é de todo ruim! A nutrição não é uma ciência exata, é biologia, uma ciência dinâmica. E todos os dias descobrimos melhor como alguns mecanismos fisiológicos funcionam e como o que comemos pode influenciar nesses processos. Hoje temos tecnologia para entrar dentro de células e saber o que acontece lá dentro. Hoje temos acesso ao núcleo de células e podemos até mesmo manipular o DNA dessa célula. Então é mais que normal que alguns paradigmas caiam por terra ou sejam explicados de uma forma diferente.

O corpo humano é muito complexo e até hoje a ciência não conseguiu decifrar exatamente como funciona. Um bom cientista sabe que não sabe tudo e que nunca deve se posicionar com dicas simples e sensacionalistas.

E agora? Em quem acreditar?

Nesse mundo em que (infelizmente) a nutrição virou terra de ninguém se torna imprescindível que as pessoas se tornem um pouco mais seletivas e questionadoras com relação ao que elas leem por aí.

E as pessoas que escrevem esse tipo de texto devem, ao interpretar os artigos científicos ser muito criteriosos e usar de boas práticas para divulgar esses resultados. Devem ter muito cuidado na hora de ler e avaliar esses artigos. Santificar ou demonizar algum alimento ou nutriente é contraproducente e pode levar a interpretações errôneas. Isso pode ser uma atitude irresponsável!

O legal é que tem surgido muitos projetos de divulgação científica que ajudam a desmistificar alguns assuntos que são disseminados erroneamente sobre nutrição por pessoas não qualificadas para isso.

Esses projetos podem ajudar as pessoas a fazerem melhores escolhas alimentares e alertá-las sobre informações equivocadas, divulgando conhecimento direto da fonte.

Mas o conselho que fica é: resgate sua autonomia e confiança no seu corpo. A sabedoria interna do seu corpo é primordial no resgate da sua saúde. Comer melhor, ter uma alimentação principalmente fresca e caseira, praticar uma atividade física regular e dormir bem são imprescindíveis para uma vida saudável. Não fique preso nos detalhes dos nutrientes que você consome e procure melhorar seu estilo de vida de maneira mais abrangente.

Bon appétit

Sophie Deram

Sobre a autora

Sophie Deram é uma nutricionista franco-brasileira, autora do best-seller “O Peso das Dietas”, palestrante, pesquisadora e doutora pela Faculdade de Medicina da USP (Universidade de São Paulo) no departamento de endocrinologia. Defende a importância do prazer de comer para a saúde e a ideia de comer melhor e não menos. Sophie não acredita nas dietas restritivas e no “terrorismo nutricional”. Desenvolve programas online para transformar a relação das pessoas com comida e ensina profissionais de saúde sobre nutrição que alia ciência e consciência.Leia mais no site da Sophie Deram: https://www.sophiederam.com/br/

Sobre o blog

Dicas, reflexões e estudos sobre a relação do nosso corpo com a comida, com foco em alcançar uma relação tranquila com os alimentos e, assim, obter um peso saudável. Esse é um espaço que passa longe dos modismos alimentares. Aqui promoveremos mudanças de hábitos que vão te ajudar a viver melhor. Acredito que o ser humano se nutre de alimentos e sentimentos.