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Blog da Sophie Deram

Novidade sobre o leite materno: moléculas que os bebês não digerem

Sophie Deram

03/04/2019 04h00

Crédito: iStock

Hoje nós sabemos que uma microbiota intestinal saudável é essencial para nossa saúde e que essa colonização pode ditar o futuro da nossa saúde e bem estar. Mas já parou pra pensar quando é que a colonização dessas bactérias começa a acontecer?

Pois é, essas bactérias começam a "invadir" o nosso trato gastrointestinal assim que saímos da barriga da nossa mãe e ela vai ser modulada pela via de parto (a exposição à bactérias é diferente se o parto for vaginal ou cesária), pelo contato do bebê com a mãe, com o pai, com os cuidadores, com o ambiente em que o ele vai viver e pela composição da sua alimentação. É nesse momento que a relação de uma vida toda com nossa microbiota tem início.

O leite materno é o alimento mais rico e completo para bebês até os 6 meses de idade, ou mais. Até os 6 meses o bebê não precisa nem de água, muito menos de chazinho ou suquinho de laranja se ele for alimentado somente com o leite materno.

Ele tem absolutamente tudo que o bebê precisa! E você vai se surpreender com a quantidade de moléculas que existem no leite materno!

A composição do leite materno

Para se ter uma ideia do que é esse alimento tão importante, te dou aqui uma ideia.

O leite materno é um líquido extremamente rico, complexo e altamente variável que evoluiu ao longo de milênios para nutrir os bebês dos mamíferos e protegê-los de doenças enquanto seu próprio sistema imunológico amadurece.

O leite materno contém muitas proteínas complexas, lipídios e carboidratos, cujas concentrações se alteram drasticamente ao longo de uma única alimentação (sério, a composição do leite materno pode mudar numa única mamada), e isso vai refletir as principais necessidades da criança. Além de fornecer uma fonte de nutrição para bebês, o leite materno contém uma infinidade de componentes biologicamente ativos. Estas moléculas possuem diversos papéis, tanto orientando o desenvolvimento do sistema imunológico infantil, quanto a microbiota intestinal.

Além disso tudo, o leite materno tem fatores bioativos capazes de inibir inflamações e outros que podem melhorar e otimizar a produção de anticorpos específicos.

No leite materno existe um grupo especial de carboidratos – os oligossacarídeos. Eles são tão importantes que são o terceiro componente mais abundante no leite materno (depois da lactose e da gordura). Existem aproximadamente 200 tipos de oligossacarídeos conhecidos só no leite materno! Se existem tantos oligossacarídeos, provavelmente eles têm uma função muito importante pro bebês, não é verdade? Sim… é verdade!

Os oligossacarídeos do leite humano melhoram a saúde de bebês!

Esses oligossacarídeos do leite materno são tão importantes que, na literatura científica, são conhecidos como oligossacarídeos do leite humano (OLH). Esses OLH até pouco tempo não tinham uma razão nutricional específica para existirem pois grande parte deles nem é digerida pelos bebês (mesmo eles sendo um dos componentes mais abundantes no leite humano). Como assim existem moléculas que o bebê não consegue digerir? Qual seria então a função dessas moléculas?

Esses oligossacarídeos funcionam como prebiótico. Prebióticos são moléculas que promovem benefícios para a saúde, estimulando o crescimento e/ou a atividade de micróbios no intestino, ou seja, são moléculas que estimulam o crescimento de certas cepas de bactérias benéficas, como bactérias da espécie Bifidobacterium infantis, dentro do trato gastrointestinal da criança, protegendo-a da colonização por bactérias patogênicas. Os oligossacarídeos desempenham um papel importante na prevenção de infecções e diarreias neonatais e do trato respiratório dos bebês.

Esses oligossacarídeos passam pelo estômago e pelas primeiras partes do intestino intactos! Os bebês não são capazes de digeri-los, lembra? Porém quando eles chegam mais longe no intestino esses oligossacarídeos vão ser consumidos por serezinhos de grande importância – as bactérias benéficas (principalmente as Bifidobacterium infantis), criando uma microbiota protetora e protegendo esses bebês do desenvolvimento de bactérias maléficas.

As bactérias Bifidobacterium infantis e seus possíveis mecanismos protetores

Essa espécie de bactérias tem a capacidade única de consumir esses oligossacarídeos no leite e tem mecanismos protetores mais que especiais.

  • Um primeiro mecanismo protetor exercido pela Bifidobacterium infantis é que na presença de leite materno essas bactérias se proliferam mais e acabariam protegendo a mucosa intestinal desses bebês por competição, ou seja, quanto mais bactérias benéficas se "fixam" nas paredes do intestino, menos bactérias patológicas podem se "fixar" por alí. Assim, com uma mucosa protegida as bactérias patogênicas têm menos chances de se desenvolver e isso constitui um fator protetor contra diarreias.
  • Um segundo mecanismo que explica a proteção exercida pela presença dessa espécie de bactéria é que essa bactéria parece ser um potente anti-inflamatório. E esse efeito tem sido mostrado até em crianças prematuras mesmo quando as células do intestino ainda nem estão totalmente maduras. Sua presença incentiva a liberação de moléculas anti-inflamatórias e evitaria também a liberação de citocinas inflamatórias. Isso tudo ajudaria na proteção dos bebês contra inflamações.
  • Diminuir a permeabilidade intestinal dos bebês seria uma terceira explicação dos mecanismos protetores das Bifidobacterium infantis. Sua presença poderia ter uma ação de estabilização das proteínas intestinais que são responsáveis por deixar as células do intestino bem juntinhas, assim fortalecendo a mucosa.
  • Uma quarta explicação seria que essa bactéria produziria ácidos graxos de cadeia curta. Bebês que se alimentam de leite materno tem mais desses ácidos graxos de cadeia curta nas fezes. A grande maioria desses ácidos graxos de cadeia curta é usada pelas células intestinais como combustível que mantém a saúde delas.

Uma explicação extra? Em um estudo recente, a presença dominante de Bifidobacterium infantis foi associada a um melhor crescimento das crianças, comparadas a outras crianças que tinham uma menor quantidade dessas bactérias.

Claro que é importante incentivar a amamentação quando possível. Contudo, devemos lembrar que amamentar não é sempre possível ou desejado pela mãe e precisamos respeitar isso. É também possível alimentar muito bem uma criança sem amamentar, usando um leite maternizado.

A saúde depende de muitos fatores e alimentação é uma grande parceira nisso. Tanto para bebês, quanto para adultos, uma microbiota saudável é obtida quando nós nos alimentamos bem. Ter uma microbiota equilibrada é de extrema importância para a nossa saúde… desde que nós saímos da barriga das nossas mães!

Bon appétit!

Sophie Deram

Sobre a autora

Sophie Deram é uma nutricionista franco-brasileira, autora do best-seller “O Peso das Dietas”, palestrante, pesquisadora e doutora pela Faculdade de Medicina da USP (Universidade de São Paulo) no departamento de endocrinologia. Defende a importância do prazer de comer para a saúde e a ideia de comer melhor e não menos. Sophie não acredita nas dietas restritivas e no “terrorismo nutricional”. Desenvolve programas online para transformar a relação das pessoas com comida e ensina profissionais de saúde sobre nutrição que alia ciência e consciência.Leia mais no site da Sophie Deram: https://www.sophiederam.com/br/

Sobre o blog

Dicas, reflexões e estudos sobre a relação do nosso corpo com a comida, com foco em alcançar uma relação tranquila com os alimentos e, assim, obter um peso saudável. Esse é um espaço que passa longe dos modismos alimentares. Aqui promoveremos mudanças de hábitos que vão te ajudar a viver melhor. Acredito que o ser humano se nutre de alimentos e sentimentos.