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Blog da Sophie Deram

Médicos belgas são proibidos de indicar dieta vegana a gestantes e crianças

Sophie Deram

22/05/2019 04h00

Crédito: iStock

Um comunicado da Academia Belga de Medicina associada à Sociedade Belga de Pediatria e ao Conselho Superior Belga da Saúde foi centro de uma polêmica muito grande na semana passada.

A alimentação vegana é realmente segura?

Nesse comunicado essas associações formadas por médicos, pediatras e nutricionistas, se posicionam de maneira firme contra uma dieta vegana para crianças, adolescentes, mulheres grávidas e lactantes.

Segundo os autores, "Se o consumo de tal dieta e suas consequências são de responsabilidade do adulto que se submete à ela, não é recomendado e até mesmo proibido sujeitar uma criança, especialmente durante períodos de crescimento rápido, a uma dieta potencialmente desestabilizadora, justificando suplementos e exigindo frequentes controles clínicos e biológicos". Alertam ainda que, para uma criança ter saúde suindo esse tipo de dieta, o uso de suplementação sistemática e a realização de exames de sangue são obrigatórios para evitar deficiências nutricionais. Isso se distancia do que deveria ser uma "alimentação tradicional" e passa a tomar forma de "tratamento", o que não seria ético impor para uma criança.

Entenda melhor o que é a alimentação vegana

Hoje a alimentação com mais vegetais é incentivada mundialmente, é o famoso "plant based" ou baseado em plantas. Existem várias dietas vegetarianas. Elas excluem alguns tipos de carnes e são classificadas de acordo com a escolha do indivíduo em optar pelo consumo ou não de outros alimentos de origem animal, como por exemplo, peixe, ovos, leites e laticínios. O vegetarianismo estrito não utiliza nenhum alimento de origem animal. No que tange a alimentação, vegetariano estrito e vegano são sinônimos.

Existem muitas evidências científicas de que uma alimentação vegetariana é associada à uma saúde melhor, com menos riscos de obesidade, câncer, hipertensão, diabetes de tipo 2, doenças cardiovasculares. Todavia, a comissão belga ressalta que entendem que a mesma associação não seja tão clara com o veganismo.

Na alimentação vegana, TODOS alimentos de origem animal são excluídos da dieta, não só as carnes (incluindo peixe, frango, frutos do mar…), mas também leite e derivados, ovos, mel, ou seja, qualquer alimento que precise de um animal para ser obtido!

A comissão belga, explica que cada caso é um caso e que quem decide seguir esse tipo de alimentação tem que ser respeitado e acolhido com um cuidado nutricional maior devido a vários fatores como idade, qualidade e quantidade de nutrientes e também condições socioeconômicas de acesso aos alimentos.

Por que a dieta vegana pode trazer riscos durante o desenvolvimento?

É fato que eliminar todos os alimentos de origem animal da alimentação aumenta o risco de algumas deficiências nutricionais.

Dietas que excluem toda proteína animal podem ter carências, especialmente em ômega 3, vitamina B12, cálcio, ferro, zinco, que são essenciais para o desenvolvimento da criança desde a concepção e durante todo o seu crescimento.

Segundo a comissão belga, numerosas publicações mostraram que a adoção de uma dieta vegana durante a gravidez e a amamentação poderia levar ao retardo do crescimento do recém-nascido, anemia megaloblástica e retardo do desenvolvimento psicomotor… Além disso, estudos têm sugerido que pode levar a restrição do crescimento intrauterino e problemas no desenvolvimento neural que podem afetar o desenvolvimento fetal de forma irreversível. Os distúrbios neurológicos podem ir tão longe quanto a ocorrência de distúrbios respiratórios e um coma. Essas observações ocorrem principalmente em ambientes mal informados da necessidade imperativa de suplementação contínua e adequada da dieta. Essas complicações exigem o manejo precoce.

Basta suplementar então?

Eles alertam que a suplementação, em alguns casos não basta, e que a alimentação vegana pode induzir desequilíbrios como, por exemplo, nos níveis de cálcio e fósforo que podem resultar em hiperparatireoidismo, ou o desequilíbrio no zinco e ferro que podem afetar a biodisponibilidade dos alimentos consumidos. Não é possível controlar esses desequilíbrios somente com suplementação e é necessário tratamentos mais delicados. Os riscos citados acima podem até ser controlados em adultos, mas são especialmente preocupantes no caso do recém-nascido e lactente até os 6 meses.

A comissão belga assim recomenda que seja proibido para profissionais de saúde aconselhar esse tipo de restrição, mas que, se os pais estão contemplando uma dieta vegana, deve-se insistir na importância de conhecer todas essas informações antes de se tornar vegano(a) ou impor esse tipo de alimentação a bebês e crianças na fase de crescimento e desenvolvimento neural, cognitivo e físico.

Atenção às fórmulas infantis! Existem fórmulas infantis veganas no mercado, porém deve-se dar atenção especial às bebidas vegetais que, muitas vezes, são conhecidas como "leite vegetal". Essas bebidas não são leite e deveriam ser chamados de "sucos". Converse com o pediatra e o nutricionista para definirem juntos qual a bebida ideal e completa para crianças veganas.

O parecer da comissão belga, contrário à dieta vegana para grupos de risco como crianças, adolescentes, mulheres grávidas e lactantes,  se baseia em fatos e revisão científica, trazendo esclarecimentos como os citados no decorrer desse texto para chegar a essa posição.

A comissão insiste no fato de que, para ter uma dieta nutricionalmente adequada, um vegano precisa, antes de tudo, ter muito conhecimento sobre o que consiste uma dieta adequada nutricionalmente. Não é simplesmente parar de comer animais e seus derivados! Acessibilidade à informação e alimentos de qualidade nutricional é essencial!

A Bélgica é um dos primeiros países a se colocar de maneira tão forte contra a dieta vegana para alguns grupos específicos e provavelmente está para incentivar outros países.

Já vimos, em abril 2019, que a OMS (Organização Mundial da Saúde) se retirou e desistiu de apoiar uma campanha que incentiva dietas com base em plantas.

Fonte: Parecer da Academia Real Belga de Medicina publicado dia 16 de maio de 2019, com referências.

Sophie Deram

Sobre a autora

Sophie Deram é uma nutricionista franco-brasileira, autora do best-seller “O Peso das Dietas”, palestrante, pesquisadora e doutora pela Faculdade de Medicina da USP (Universidade de São Paulo) no departamento de endocrinologia. Defende a importância do prazer de comer para a saúde e a ideia de comer melhor e não menos. Sophie não acredita nas dietas restritivas e no “terrorismo nutricional”. Desenvolve programas online para transformar a relação das pessoas com comida e ensina profissionais de saúde sobre nutrição que alia ciência e consciência.Leia mais no site da Sophie Deram: https://www.sophiederam.com/br/

Sobre o blog

Dicas, reflexões e estudos sobre a relação do nosso corpo com a comida, com foco em alcançar uma relação tranquila com os alimentos e, assim, obter um peso saudável. Esse é um espaço que passa longe dos modismos alimentares. Aqui promoveremos mudanças de hábitos que vão te ajudar a viver melhor. Acredito que o ser humano se nutre de alimentos e sentimentos.