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Blog da Sophie Deram

Falhas dos médicos ao tratar transtornos alimentares estão custando vidas?

Sophie Deram

10/07/2019 04h00

Crédito: iStock

Os transtornos alimentares são caracterizadas por um comportamento alimentar persistentemente perturbado, que leva a alterações no consumo alimentar e problemas de saúde físicos e mentais. A anorexia nervosa, por exemplo, é uma doença associada à restrição alimentar e com alta mortalidade.

Transtornos alimentares não têm cara, nem biotipo. Esse problema é muito estigmatizado e minimizado pela maioria das pessoas e até mesmo por profissionais da saúde. Infelizmente não é raro que o julgamento e até mesmo o diagnóstico seja feito por uma simples observação de que a pessoa não está com um peso "saudável" e, muitas vezes, o diagnóstico é feito baseando-se somente no Índice de Massa Corporal (IMC).

Sim, em um único número! Isso é muito grave já que os transtornos alimentares são problemas multifatoriais que precisam ser tratados por uma equipe multidisciplinar composta por médicos, psiquiatras, nutricionistas e psicólogos.

Mas, infelizmente não é bem isso que vemos por aí.

A falta de treinamento e compreensão sobre transtornos alimentares dos profissionais de saúde pode estar custando vidas.

A falta de formação dos profissionais de saúde com relação aos transtornos alimentar é muito séria e tem levado a mortes que poderiam ser evitadas. Os profissionais recebem pouco ou nenhum treinamento para lidar com transtornos alimentares.

Segundo o Jornal The Guardian, um relatório publicado pelo Serviço Parlamentar e de Saúde do Reino Unido exigiu mais treinamento de médicos, melhorando a coordenação dos serviços e investigando falhas graves potenciais em casos graves acontecidos anteriormente. Esse relatório teria sido elaborado após a morte de Averil Hart, 19 anos, e de outras 2 mulheres.

Segundo o relatório poucas medidas foram tomadas para a implementação desses treinamentos… além disso, encontraram uma série de falhas por parte do Sistema Nacional de Saúde na implementação de ações recomendadas anteriormente para melhorar o atendimento a pacientes que sofrem de transtornos alimentares. O relatório constatou que os médicos tinham muito pouco treinamento para lidar com esse tipo de problema pois o treinamento não passava de algumas horas.

O comité que fez o relatório ficou "chocado" ao descobrir que o sistema público de saúde do país não tinha informações precisas sobre a prevalência de transtornos alimentares e chegaram a conclusão de que os profissionais se baseiam somente no Índice de Massa Corporal (IMC) como critério para definir se uma pessoa precisava ou não de tratamento, mesmo os guias recomendando que se evite a utilização de um único parâmetro.

Um transtorno alimentar é uma doença psiquiátrica antes de ser nutricional. Somente o peso não deve ser o único critério de avaliação da recuperação da saúde física e mental.

Viram ainda que poucos pacientes tinham acesso a um especialista em transtornos alimentares no Sistema Nacional de Saúde. Constataram que pacientes eram obrigados a passar por uma espera muito longa para conseguir tratamento, o que é inaceitável, visto que essas pessoas sofrem de problemas psicológicos graves. Além disso, alguns pacientes deixavam de obter tratamento assim que atingiam um determinado peso, sem a garantia que esses pacientes tinham recuperado sua saúde mental.

O presidente da comissão que investigou essas falhas no serviço público de saúde, Bernard Jenkin, constatou que os serviços de transtornos alimentares do governo tem falhado com seus pacientes e que o governo precisa adotar um senso de urgência para impedir que esse problema cresça.

Estudos sugerem que mais de 1,25 milhões de pessoas podem estar sofrendo de transtornos alimentares no Reino Unido. Isso é muito grave já que os transtornos alimentares são os problemas psiquiátricos que mais matam no mundo!

E no Brasil? será que é muito diferente? Dados sobre transtornos alimentares no Brasil.

Existem poucos estudos populacionais que avaliaram os índices de transtornos alimentares no Brasil. O Ambulim – Programa de Transtornos Alimentares do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, maior centro de tratamento do Brasil coordenado pelo Dr Taki Cordas, foi o primeiro centro especializado no tratamento de transtornos alimentares criado no Brasil. Esse programa tem preenchido um pouco essa lacuna de conhecimento sobre o assunto. Ele fornece de forma gratuita tratamento ambulatorial e enfermaria para pacientes em todo o território nacional e tem se preocupado com a formação de residentes em psiquiatria, psicólogos, nutricionistas, assistentes sociais, educadores físicos, enfermeiros, terapeutas ocupacionais e outros profissionais para atender esses pacientes. As ações do Ambulim são louváveis já que contam com pouco investimento e grande parte dos atendimentos é feito de forma voluntária.

Uma análise do Dr Taki, já em 2001, mostrou que existem várias falhas no tratamento dos transtornos, como problemas na formação das equipes, custos elevados do tratamento, pobre interação entre os pesquisadores, falhas na formação dos profissionais, ausência de terapêutas comportamentais e falta de investimentos.

Precisamos falar mais sobre esse problema, que é muito mais comum e muito mais perigoso do que se imagina. É preciso desmistificar os preconceitos que giram em torno dos transtornos alimentares que são um problema tão sério e que vem atingindo cada vez mais pessoas e cada vez mais cedo na vida.

Qual é o principal gatilho para desenvolver um transtorno alimentar? Fazer dieta restritiva. Hoje em dia, com os discursos nutricionais extremamente confusos e assustadores sobre o que ou não comer, com todos os incentivos para emagrecer a qualquer custo de saúde, vemos muitos profissionais de saúde que, sem perceber, pioram o estado de saúde dos seus pacientes.

No AMBULIM, onde eu sou nutricionista e pesquisadora, percebemos um aumento rápido e assustador de procura de tratamento por parte de pessoas em todas as faixas etárias e gêneros.

É essencial que, cada vez mais, os profissionais de saúde se sensibilizem desse problema e busquem se capacitar a fim de ter uma conduta mais adequada e consciente para não piorar a saúde mental dos seus pacientes e para saber identificar e encaminhar o paciente que sofre de transtornos alimentares.

Existem vidas em jogo.

Sophie Deram

Sobre a autora

Sophie Deram é uma nutricionista franco-brasileira, autora do best-seller “O Peso das Dietas”, palestrante, pesquisadora e doutora pela Faculdade de Medicina da USP (Universidade de São Paulo) no departamento de endocrinologia. Defende a importância do prazer de comer para a saúde e a ideia de comer melhor e não menos. Sophie não acredita nas dietas restritivas e no “terrorismo nutricional”. Desenvolve programas online para transformar a relação das pessoas com comida e ensina profissionais de saúde sobre nutrição que alia ciência e consciência.Leia mais no site da Sophie Deram: https://www.sophiederam.com/br/

Sobre o blog

Dicas, reflexões e estudos sobre a relação do nosso corpo com a comida, com foco em alcançar uma relação tranquila com os alimentos e, assim, obter um peso saudável. Esse é um espaço que passa longe dos modismos alimentares. Aqui promoveremos mudanças de hábitos que vão te ajudar a viver melhor. Acredito que o ser humano se nutre de alimentos e sentimentos.