Comer junto pode proporcionar mais saúde
Hoje em dia é muito comum a busca por alimentos milagrosos para emagrecer e/ou adquirir mais saúde. Todo mundo quer saber o que pode e o que não pode comer. Da minha parte você já sabe: dê preferência aos alimentos in natura e reserve para os alimentos processados e ultraprocessados um espaço menor da alimentação. Não faça restrições! Coma de tudo, sem culpa.
O que comemos é bem importante para termos mais saúde e qualidade de vida. Mas uma coisa que ninguém parece se dar conta é que partilhar uma refeição na companhia de outras pessoas também pode ser bastante benéfico.
No cotidiano a tendência é comer sozinho
Há algumas décadas era comum sentarmos todos à mesa no momento das refeições. Hoje este ritual tornou-se mais difícil de acontecer. Toda a família trabalha ou estuda, geralmente longe de onde mora, tornando inviável o deslocamento para alimentar-se em casa. E um número cada vez maior de pessoas optam por morarem sozinhas.
O ritual da refeição: cozinhar, pôr a mesa, receber os comensais… fica para momentos festivos. É mais conveniente levar o almoço para o trabalho, realizar algumas refeições em restaurantes, ou fazer lanches pela rua. Sozinhos ou quem sabe acompanhados de colegas. Ainda que hoje seja menos frequente em nosso cotidiano, comer junto é inerente ao ser humano e pode estar presente no trabalho, na escola e qualquer outro espaço de convivência.
O ato de partilhar uma refeição é chamado também de comensalidade e pode contribuir para a nossa saúde e bem estar. Você sabia disso?
Comer bem e comer junto
O termo "comensalidade" deriva do latim "commensalis", com: "junto", e "mensa": "mesa", significando "conviver à mesa". Há 500 mil anos a.C o homem pré-histórico começou a usar o fogo para cozinhar e partilhar os alimentos, surgindo a função social da refeição e da comensalidade. Desde as primeiras civilizações comer junto serve para fortalecer os laços de amizade, homenagear os deuses na Antiguidade, e fazer acordos de vassalagem.
No ano 2000 o antropólogo francês Claude Fischler, do Observatório Cniel dos Hábitos Alimentares (Ocha), propôs uma pesquisa comparativa sobre os hábitos alimentares, corpo e saúde em 6 países: França, Itália, Suíça, Alemanha, Inglaterra e Estados Unidos. Foi uma pesquisa com metodologias quantitativas e qualitativas, realizada em várias etapas entre os anos 2000 e 2002, com 7 mil entrevistados. Também foi coordenada pela psicóloga social Estele Masson e contou com a contribuição de diversos pesquisadores do mundo todo. Os resultados desse estudo foram organizados em um livro, que ganhou sua edição brasileira em 2010: "Comer: a alimentação de franceses, outros europeus e americanos."
Entre muitas outras coisas, Fischler e Masson encontraram duas lógicas distintas de comer a partir das entrevistas realizadas. Uma delas é mais individualista, a alimentação diz respeito à nutrição e à responsabilidade individual. Comer bem é ingerir proteínas, gorduras, carboidratos e vitaminas em quantidades adequadas para o bom funcionamento do organismo. A outra aproxima-se da sociabilidade e da partilha à mesa. Nesse caso, comer bem é visto como uma forma de estar junto e de compartilhar a comida. E consumir alimentos em frente ao computador ou lanchar rapidamente em uma padaria não é considerado uma refeição. A primeira é mais comum entre os americanos e a segunda entre os franceses.
Após 17 anos deste estudo, este cenário pode ter se modificado. Hoje em dia, percebo um grande interesse também dos franceses pelo nutricionismo, preocupação em fazer dieta e com o corpo.
De qualquer forma, a partir desta pesquisa e de entrevista concedida a Mirian Goldenberg, Fischler afirma acreditar que nas culturas em que a alimentação é uma responsabilidade social e a comensalidade é valorizada, há um controle externo para se comer de determinada forma, e para se evitar comer em determinados lugares e horários, o que ele sugere contribuir para menores prevalências de obesidade.
O que diz os estudos de nutrição e saúde?
Corroborando com o que pensa o antropólogo Fischler, foi publicado um artigo este ano com dados da Pesquisa Nacional de Saúde e Nutrição Coreana (2013 – 2015). A pesquisa buscou explorar a associação entre realizar o jantar acompanhado e o Índice de Massa Corporal (IMC). Foram avaliadas 13.303 pessoas adultas e concluiu-se que aquelas que jantam sozinhas são mais propensas ao sobrepeso e obesidade do que as que comem em família. Porém, não podemos esquecer que o IMC não é o único parâmetro para avaliarmos a saúde…
Outros estudos mostraram que comer na companhia dos outros contribui para comermos mais, uma vez que também aumenta o tempo à mesa e acesso aos alimentos. É o que chamamos de fome social (existem vários tipos de fome, inclusive a fome emocional), comemos em ocasiões descontraídas, na presença de outras pessoas, mesmo sem estarmos com fome. Algumas dessas pesquisas fazem uma ressalva. Isso é verdade se estamos com amigos e familiares, enquanto que na presença de estranhos a tendência é comer menos. Entre conhecidos nos sentimos mais à vontade para exagerar, pois vemos uma oportunidade e uma situação aceitável para comer em excesso.
Reunidos à mesa celebramos momentos importantes e ficamos perto daqueles que gostamos, mas a forma como nos comportamos nessas ocasiões também reflete o nosso humor e sentimentos. É provável comermos mais se estamos agitados, preocupados, aborrecidos ou com a cabeça em outro lugar. Como também é normal exagerar na comida ocasionalmente.
Ou seja, é difícil avaliar se a comensalidade nos leva a comer mais ou menos. Existem controvérsias e necessidade de mais pesquisas. No entanto, é fato que comer junto pode proporcionar momentos de socialização e bem-estar ao entrarmos em contato com o outro. E para usufruirmos desse momento é preciso comer com prazer.
Junto ou sozinho: coma com prazer!
Seja sozinho ou na companhia de outras pessoas, minha dica é: coma com prazer! Quando comemos de forma prazerosa nos sentimos satisfeitos e além da comida podemos usufruir de outros benefícios que uma refeição pode proporcionar.
Portanto, para ter uma boa experiência à mesa, sugiro que você siga as recomendações do nosso Guia Alimentar para a População Brasileira: comer com regularidade e atenção, em ambientes apropriados e, quando possível, em companhia.
Dessa forma, podemos saborear e digerir melhor os alimentos, interagir com os familiares e amigos e ensinar bons hábitos às crianças. Se a refeição é realizada em um lugar limpo e confortável podemos comer com tranquilidade e concentração e aproveitar a presença das outras pessoas. Você também pode compartilhar o ato de cozinhar e as atividades posteriores, como recolher e lavar a louça. Além de facilitar o trabalho de todos, promove um momento de cooperação.
Bon appétit!
Sophie Deram
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