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Blog da Sophie Deram

Pessoas com obesidade sentem menos saciedade

Sophie Deram

28/08/2019 04h00

Crédito: iStock

Todos nós somos expostos a diversos fatores que nos levam a comer, como a exposição aos alimentos, o tamanho dos utensílios utilizados, a grande variedade de comida e a distração ao comer. Entre tantos outros aspectos, as decisões alimentares são influenciadas pela percepção do sabor.

À medida que comemos muito de um mesmo alimento, a satisfação ou o prazer em comê-lo diminui, como também a sensibilidade gustativa. À relação entre como percebemos o sabor dos alimentos e a quantidade consumida é chamada de saciedade sensorial específica. Nesse caso, comer continuamente um alimento gera saciedade e a tendência é diminuirmos o seu consumo.

Para entender melhor o que é saciedade sensorial específica pense que está em um jantar. Você está cheio, não aguenta comer nem mais uma garfada do prato principal, mas aceita um pouco de sobremesa. Somos levados a comer em excesso, em partes, por essa percepção do sabor aumentada e pela saciedade sensorial diminuída.

Pesquisadores da Universidade de Iowa, nos Estados Unidos realizaram um estudo para entender se a percepção de sabor difere entre pessoas sem sobrepeso, com sobrepeso e com obesidade. Vamos conhecer mais sobre ele?

Percepção de sabor, saciedade sensorial e obesidade.

A pesquisa, publicada em julho desse ano no Journal of the Academy of Nutrition and Dietetics, foi realizada com 290 adultos entre 18 e 75 anos. Eles receberam amostras de chocolate ao leite e lhes foi pedido que comessem tanto quanto pudessem, mas sem se sentirem desconfortáveis.

Para cada amostra eles deveriam preencher um questionário com escalas de 0 a 10 sobre o quanto gostaram daquele pedaço de chocolate, e o seu nível de fome e de saciedade.

Também foi fornecido aos participantes um pretzel no início e ao final da degustação. Este alimento serviu como controle, a fim de determinar se as mudanças na percepção do sabor para o chocolate foram impulsionadas pela fome e saciedade.

De todos os participantes, 161 não tinham sobrepeso, 78 foram considerados com sobrepeso e 51 com obesidade. Durante o estudo, as pessoas comeram em média 10 pedaços de chocolate. A maioria dos participantes (82,7%) relatou um declínio na percepção do sabor, isto é, a sensibilidade gustativa diminuiu à medida que o consumo de chocolate aumentava. No entanto, 33 participantes (11,4%) relataram um aumento da percepção de sabor.

Não foram encontradas diferenças significativas na percepção de sabor dos participantes sem sobrepeso ou com sobrepeso. No entanto, aqueles considerados com obesidade apresentaram níveis mais elevados de percepção de sabor. Eles classificaram o chocolate com valores mais altos mesmo após comer vários pedaços – em torno de meio ponto a mais (em uma escala de 10 pontos) do que as outras pessoas.

A sensibilidade gustativa nas mulheres, maioria no estudo (80%), diminuiu mais rapidamente que a dos homens. E as pessoas que estavam com fome antes do estudo apresentaram uma maior percepção do sabor. O ditado "a fome é o melhor tempero" parece encontrar uma explicação científica aqui.

No entanto, os pesquisadores descobriram que a diminuição da percepção de sabor não é apenas resultado da saciedade, pois os pretzels consumidos no início do estudo foram relatados como proporcionando a mesma percepção que os consumidos ao final, apesar do declínio da fome ao longo do estudo. Isso leva os pesquisadores a sugerirem que a percepção do sabor diminui devido a um "tédio" sensorial, resultado do consumo repetido do mesmo alimento. Eles também acreditam que a variedade alimentar pode influenciar o consumo excessivo. Outros estudos já mostraram que a exposição a uma variedade maior de alimentos, e, portanto, de sabores, pode nos levar a comer mais, inclusive sem que percebamos.

Os achados dessa pesquisa indicam que os participantes com obesidade precisavam consumir uma quantidade maior de chocolate do que os outros participantes para experimentar um declínio similar nas percepções do sabor. Mulheres com obesidade, por exemplo, precisavam comer mais de 12 pedaços de chocolate para ter o mesmo nível de percepção de sabor que as outras mulheres que comiam apenas 10 pedaços.

É importante lembrar que os resultados desse estudo não podem ser generalizados para outros tipos de alimentos. Além disso, os autores também apontam a necessidade de investigar, em trabalhos futuros, se as diferenças na percepção do sabor são uma causa da obesidade, ou se a obesidade leva ao aumento da sensibilidade gustativa (ou saciedade sensorial).

Com certeza parece se tratar de um círculo vicioso. Os diversos fatores, inclusive a mentalidade de dieta e a restrição alimentar, geram mais sensibilidade gustativa e, assim, mais risco de obesidade.

A informação nutricional parece contribuir pouco nas decisões alimentares

Esse estudo também teve como um de seus objetivos observar o impacto da informação nutricional na percepção do sabor. Para isso, os participantes foram divididos em dois grupos: um deles recebeu informações nutricionais sobre o chocolate antes do início da degustação, e o outro grupo recebeu essa informação apenas após experimentar o chocolate. Mas não foram encontradas evidências de que os indivíduos que receberam informações nutricionais antes do consumo experimentassem qualquer diferença nas percepções do sabor.

Como consumidores é muito importante termos acesso à informação nutricional dos alimentos, é um direito nosso conhecer o que estamos comendo.

O rótulo dos alimentos deve conter não apenas a informação nutricional, mas a lista de ingredientes em ordem decrescente, ou seja, o primeiro alimento listado é aquele utilizado em maior quantidade no preparo do produto. Essas informações permitem que o consumidor tenha a liberdade de escolher alimentos mais naturais e conheça o que está consumindo. Também evita que pessoas alérgicas passem por situações desagradáveis por comerem alimentos inadequados para sua condição de saúde.

Não me surpreende que a informação nutricional não tenha tanta influência na decisão alimentar. Focar apenas na busca por alimentos nutricionalmente mais adequados parece não ter tanta relevância se comparada com as diversas e complexas questões culturais, emocionais, psicológicas, fisiológicas e comportamentais envolvidas na alimentação.

Por isso, considero que o mais importante é pensarmos no comportamento alimentar e não apenas nos nutrientes. A alimentação começa na cabeça e não no estômago. Comer um chocolate, alimento rico em gordura e açúcar, não é um problema, mas é preciso estar atento se o comemos com culpa ou com exagero, e nesse caso, é preciso transformar nossa relação com a comida e fazer as pazes com ela. A questão não é somente o que você come, mas como você come!

Bon appétit!

Sophie Deram

Sobre a autora

Sophie Deram é uma nutricionista franco-brasileira, autora do best-seller “O Peso das Dietas”, palestrante, pesquisadora e doutora pela Faculdade de Medicina da USP (Universidade de São Paulo) no departamento de endocrinologia. Defende a importância do prazer de comer para a saúde e a ideia de comer melhor e não menos. Sophie não acredita nas dietas restritivas e no “terrorismo nutricional”. Desenvolve programas online para transformar a relação das pessoas com comida e ensina profissionais de saúde sobre nutrição que alia ciência e consciência.Leia mais no site da Sophie Deram: https://www.sophiederam.com/br/

Sobre o blog

Dicas, reflexões e estudos sobre a relação do nosso corpo com a comida, com foco em alcançar uma relação tranquila com os alimentos e, assim, obter um peso saudável. Esse é um espaço que passa longe dos modismos alimentares. Aqui promoveremos mudanças de hábitos que vão te ajudar a viver melhor. Acredito que o ser humano se nutre de alimentos e sentimentos.