Genes da obesidade se expressam em áreas cerebrais da recompensa e do vício
A cada ano o número de pessoas que sofrem com a obesidade aumenta no Brasil e no mundo. Apesar de todo o conhecimento científico que se tem na atualidade, nenhum país conseguiu adotar medidas realmente efetivas para controlar ou diminuir a obesidade.
As recomendações mais difundidas dizem respeito a fazer dieta e praticar exercício físico, considerando que a obesidade é fruto de um desequilíbrio do balanço energético, ou seja, ingere-se mais calorias do que se gasta. Temos aí um paradoxo, pois as dietas restritivas parecem contribuir ainda mais para o ganho de peso.
A obesidade é uma condição muito complexa, multicausal e multifatorial, não admite um olhar reducionista, envolve questões sociais, culturais, psicológicas, biológicas e genéticas.
Pensando nos fatores genéticos da obesidade, um estudo envolvendo pesquisadores de três instituições francesas (Instituto Pasteur de Lille, Universidade de Lille e o Centro Nacional de Pesquisa Científica – CNRS), mostrou que os genes relacionados à obesidade comum ou poligênica não atuam tanto na regulação da fome, como se acreditava, mas parecem estar envolvidos em mecanismos vinculados ao prazer, à recompensa e também ao vício.
Conheça a obesidade monogênica e a obesidade comum
Não é novidade que a obesidade apresenta uma forte predisposição genética. Mas você sabia que existem dois tipos diferentes de obesidade? Vou falar um pouco para você sobre a obesidade monogênica e a obesidade comum ou poligênica antes de apresentar os resultados do estudo.
As formas monogênicas são mais raras e envolvem mutações de apenas um gene. Esse tipo de obesidade é causado principalmente por defeitos na regulação do apetite, pois a maioria dos genes da forma monogênica afetam o circuito do apetite no cérebro, um exemplo sendo a regulação da leptina.
Já a obesidade comum é um distúrbio poligênico resultante de uma complexa interação entre fatores genéticos e ambientais. São vários genes envolvidos (mais de 500 fatores genéticos são ligados à obesidade), que dizem respeito a muitas funções, como a regulação da ingestão de alimentos, gasto de energia, metabolismo de gorduras e açúcares e formação do tecido adiposo.
Entenda a relação da obesidade com o prazer, a recompensa e o vício
Agora que você já entendeu a diferença entre obesidade monogênica e obesidade comum, vou comentar a pesquisa francesa publicada no International Journal of Obesity. Os pesquisadores buscaram entender onde os genes da obesidade comum se expressam.
Para isso, eles usaram uma tecnologia que permite quantificar o RNA (ácido ribonucleico, responsável pela síntese de proteínas das nossas células) e a expressão gênica em um grande número de amostras de tecido humano (cardíaco, adiposo, intestinal, pancreático, cerebral, entre outros). Analisaram dados clínicos e genéticos de 4.236 europeus adultos e estudaram a expressão de 106 genes.
Como era esperado por nós pesquisadores, a maioria dos genes foi altamente expressa no cérebro. Costumo dizer que a alimentação começa na cabeça.
A novidade é que eles encontraram uma forte expressão gênica em duas áreas cerebrais: a ínsula e a substância negra. A ínsula é um lobo cerebral que desempenha um papel fundamental nas emoções e na motivação, como também no vício e no desejo de usar drogas. A substância negra também é importante no comportamento de dependência, motivação e na busca por recompensas. Por outro lado, a pesquisa também mostrou que os genes não foram expressos no hipotálamo, zona que regula o apetite, tão importante na obesidade monogênica.
Existem controvérsias quanto à importância dos mecanismos da obesidade monogênica para o desenvolvimento da obesidade comum. Com esse estudo fica claro que as causas desses dois tipos de obesidade são diferentes.
Enquanto a forma monogênica leva a um aumento da fome e desregula os mecanismos de saciedade, a forma poligênica está mais associada com uma necessidade emocional de comer, para lidar com o estresse, com as emoções e na busca por recompensas.
Essa descoberta influencia diretamente na forma como os pacientes que sofrem com obesidade são tratados. Nesse caso, a prescrição de dietas não parece ser a solução e até pode piorar a situação. É preciso um atendimento clínico multiprofissional que foque na mudança de comportamento e transforme a relação com a comida, ensinando o paciente a identificar e lidar com a fome emocional.
Vício em comida, existe mesmo?
Esse estudo mostra a expressão de genes da obesidade comum em regiões do cérebro responsáveis por comportamentos dependentes e de recompensa, mas é muito delicado falarmos em "vício por comida".
Receptores do circuito de recompensa podem ser afetados pelas drogas, como também pela comida e pelo sexo, pois todos esses três elementos são fontes de prazer. Mas agir no mesmo local não é o mesmo que gerar dependência. Uma música , por exemplo, pode ativar o mesmo receptor de prazer.
Ainda que existam alterações neuroquímicas associadas com a obesidade e que algumas pessoas com excesso de peso apresentem dificuldade em parar de comer, considero mais adequado falarmos em uma dependência ou exagero de comida, do que em vício.
Indo para as consequências sociais, pensar em alguém que sofre com a obesidade como um "viciado em comida" pode gerar um estigma, além de tirar a responsabilidade pessoal, o que não contribui para a busca de mudança de comportamento alimentar.
Além disso, pessoas que sofrem com vícios necessitam evitar a substância ou comportamento que lhe causa dependência. No caso da comida não é possível deixarmos de comer, pois essa é uma atividade essencial para a nossa sobrevivência.
O melhor é fazer as pazes com a comida e perceber a alimentação como uma forma prazerosa de autocuidado; identificar os comportamentos alimentares que podem ser gradualmente modificados, sem restrições alimentares e colocando a saúde em primeiro lugar.
Bon appétit!
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