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Blog da Sophie Deram

Entenda por que IMC não deve ser usado na avaliação da saúde das crianças

Sophie Deram

18/12/2019 04h00

Crédito: iStock

Uma nutricionista neozelandesa considera o Índice de Massa Corporal (IMC) uma medida imprecisa quando aplicada a crianças e avalia que sua utilização pode ter mais consequências negativas do que benefícios à saúde.

Calcular o IMC pode ser mais prejudicial que benéfico

Com quatro anos de idade todas as crianças da Nova Zelândia passam pelo B4 School Check, um programa nacional que oferece uma avaliação geral de saúde e do desenvolvimento infantil com o intuito de identificar e solucionar qualquer problema antes da criança começar a estudar.

Como parte disso, o IMC das crianças é calculado, com base no peso e na altura, e os pais são informados se seu filho está abaixo do peso, com peso normal, excesso de peso ou obesidade. As crianças identificadas com peso acima do que se considera como normal são encaminhadas para tratamento. Supõe-se que os pais necessitam saber em qual categoria de IMC seu filho se enquadra para que aqueles com crianças nas categorias de sobrepeso e obesidade sejam motivados a fazer mudanças saudáveis no estilo de vida.

No entanto, em artigo publicado na The New Zealand Medical Journal, intitulado 'Taking BMI off the Table' (Em tradução livre: "Tirando o IMC da mesa") a nutricionista Lucy Carey discute, com base em outros estudos, que o IMC é impreciso e particularmente duvidoso para crianças de outras etnias, como Pasifika, Maori e asiática.

Além disso, ela acredita que calcular o IMC das crianças pode estar fazendo mais mal do que bem. Uma das pesquisas que ela cita, investigou se a percepção dos pais sobre a categoria de peso de seus filhos é protetora contra o sobrepeso e a obesidade durante a infância. Os filhos que foram percebidas pelos adultos como "acima do peso" engordaram mais que aqueles vistos como "peso normal", independente do seu peso real. Os pesquisadores concluíram que, contrariamente ao que se pensa, a identificação dos pais sobre o excesso de peso da criança não é protetora contra o aumento de peso.

Outro estudo citado por Carey descobriu que a preocupação dos pais com o excesso de peso de seus filhos estava relacionada a práticas alimentares restritivas de alimentação, ainda que o peso da criança estivesse adequado. Sabe-se que a restrição alimentar não contribui com a nossa saúde, gera mais desejo por comida e possivelmente produz ganho de peso. Ao observar esse ganho é provável que os pais restrinjam ainda mais a alimentação dos seus filhos, caindo em um círculo vicioso.

Lucy Carey pede que o IMC seja removido do B4 School Check e, em vez disso e de um tratamento individual centrado na perda de peso, sugere que todas as famílias conversem com um profissional de saúde sobre os comportamentos saudáveis ​​que previnem e combatem a obesidade, focando em outros fatores, como ter um sono adequado, incentivar as brincadeiras infantis, cozinhar em casa e comer em família. Para ela, o tratamento deve ter como foco a saúde e o bem-estar e não o tamanho da criança.

O que tem de errado com o IMC?

Há muitas décadas o IMC é extremamente utilizado como método para avaliar o estado nutricional. Ele tem como vantagem sua facilidade de aplicação. Com o valor do peso e altura da pessoa é possível fazer um cálculo simples que sugere uma categorização e um "peso ideal". No caso de crianças e adolescentes esse cálculo é um pouco mais complexo e difere dos adultos, pois leva em consideração a idade.

No entanto, esse método apresenta limitações, pois muitos fatores influenciam no peso: características biológicas e fisiológicas, gênero, idade, etnia. Se o IMC é utilizado isoladamente ou como preditor de um peso a ser atingido, pode gerar problemas de interpretação e diagnóstico. Por isso, é mais comum do que se pensa que idosos, adultos, jovens e crianças sejam classificados erroneamente com sobrepeso ou obesidade, como também que o IMC não corresponda à realidade principalmente para as crianças Pasifika, Maori e asiáticas, como dito por Lucy Carey.

Para além dessas questões, quando dizemos que uma criança está com excesso de peso isso pode gerar um estigma, associado à ideia de ser "gorda", o que é socialmente inaceitável em nossa cultura e alvo de preconceitos. A autoestima da criança, que diz respeito ao quanto uma pessoa gosta, aceita e respeita a si mesma, de acordo com as próprias percepções e expectativas, como também pelas dos outros, pode ser afetada. Assim, uma avaliação baseada no IMC também pode aumentar a pressão social das crianças para buscar um corpo perfeito desde cedo, o que afeta tanto a saúde física quanto a saúde mental.

Diga não às dietas para crianças

Não sou a favor das dietas para adultos e muito menos para os pequenos. No início da vida a criança está em desenvolvimento e as necessidades de nutrientes são diferentes, portanto restringir a alimentação pode levar a consequências gravíssimas.

Está claro que a obesidade infantil é um problema de saúde pública, e não é fácil combatê-lo. É importante não culpabilizar os pais e muito menos as crianças, pois muitas questões independentes, como as genéticas, as socioculturais e as que envolvem o ambiente no qual a criança está inserida, influencia no excesso de peso e nas suas consequências. Mas é possível escolher um caminho mais adequado e há muito que pode ser feito em conjunto com toda a família.

Como a autora do artigo, acredito que o tratamento de crianças que sofrem com excesso de peso e obesidade não deve ter como foco a perda de peso, mas sim a saúde e as mudanças de comportamento, por isso com base no seu estudo e na minha experiência como nutricionista, trago 5 dicas que podem ajudar na saúde do seu filho:

  1. Estabeleça rotinas para as crianças. É importante que tenham determinados horários para as suas atividades: fazer as refeições, estudar, brincar, dormir, etc. Isso cria um ambiente saudável e ajuda muito o seu filho.
  2. Incentive o movimento. Hoje em dia é comum as crianças passarem boa parte do seu tempo assistindo televisão, ou em tablets e celulares. Incentive brincadeiras para que ele possa mexer o corpo, socializar com outras crianças e tornar-se mais ativo.
  3. Ofereça uma alimentação caseira. Tenha os alimentos in natura como base da alimentação do seu filho e de toda a família. Para isso é preciso cozinhar mais. Nada impede também que as crianças participem dessa tarefa, é uma forma delas aprenderem sobre os alimentos e demonstrarem mais interesse pela alimentação. Juntos, vocês podem fazer preparações simples, equilibradas e gostosas.
  4. Faça refeições em família. Com a correria do dia a dia nem sempre isso é conveniente, mas sempre que possível reserve um momento em que seu filho possa comer junto e desfrutar da companhia dos familiares.

Realizar pequenas mudanças, sem neuras nem restrições, pode fazer uma grande diferença e contribuir muito para a saúde do seu filho.

Bon appétit!

Sophie Deram

Sobre a autora

Sophie Deram é uma nutricionista franco-brasileira, autora do best-seller “O Peso das Dietas”, palestrante, pesquisadora e doutora pela Faculdade de Medicina da USP (Universidade de São Paulo) no departamento de endocrinologia. Defende a importância do prazer de comer para a saúde e a ideia de comer melhor e não menos. Sophie não acredita nas dietas restritivas e no “terrorismo nutricional”. Desenvolve programas online para transformar a relação das pessoas com comida e ensina profissionais de saúde sobre nutrição que alia ciência e consciência.Leia mais no site da Sophie Deram: https://www.sophiederam.com/br/

Sobre o blog

Dicas, reflexões e estudos sobre a relação do nosso corpo com a comida, com foco em alcançar uma relação tranquila com os alimentos e, assim, obter um peso saudável. Esse é um espaço que passa longe dos modismos alimentares. Aqui promoveremos mudanças de hábitos que vão te ajudar a viver melhor. Acredito que o ser humano se nutre de alimentos e sentimentos.