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Blog da Sophie Deram

Comi demais no Natal! E agora?

Sophie Deram

25/12/2019 04h00

Crédito: svetikd/iSTock

O fim de ano é tempo de alegria e de festa. É o período no qual nos preparamos para o Natal e para o Réveillon e nos reunimos com pessoas queridas para celebrar esse momento especial. É provável que ontem você tenha comemorado o Natal com uma ceia cheia de pratos especiais e deliciosos, muitas vezes com receitas da família.

A comida é central nessa época e o melhor é comer com prazer, apreciando também a companhia dos amigos e familiares. No entanto, a mesa farta do Natal também pode gerar culpa e medo de exagerar, levando muita gente a adotar estratégias compensatórias antes e após as festividades, alimentando-se de uma quantidade insuficiente de comida, passando por períodos de jejum e praticando exercícios físicos intensamente para queimar as calorias. Essa lógica de compensar pode até parecer vantajosa, mas na prática não nos traz benefícios.

Compensação e restrição alimentares

Tentar compensar o que comemos parece andar de mãos dadas com a restrição alimentar. Esses comportamentos seguem uma lógica matemática: se comi demais nas festas de fim de ano ou se imagino que irei exagerar, preciso equilibrar a situação restringindo a alimentação e consumindo menos alimentos. No entanto, o nosso corpo não corresponde a uma ciência exata, somos seres biológicos, sociais, culturais e emocionais.

Necessitamos de comida diariamente. Não é porque comemos muito no dia anterior que hoje podemos ficar sem comer. Na verdade, é provável que compensar gere mais fome e um maior desejo por alimentos, seja durante ou após as festividades. Isso pode trazer muitos prejuízos para a saúde, e inclusive contribuir para o desenvolvimento de um comportamento compulsivo com a alimentação.

Aqueles que estão muito imersos na "mentalidade de dieta" (crença bastante difundida em nossa sociedade de que todos nós devemos seguir um conjunto de restrições alimentares permanentemente, ainda que não tenhamos nenhuma patologia ou condição fisiológica que justifique essa restrição) também podem perceber as festas de fim de ano como um "dia do lixo". Nesse caso, a pessoa se permite comer tudo, de forma extremamente exagerada, fazendo um tipo de despedida, antes então de voltar ao momento de restrição.

Alguns métodos compensatórios não envolvem restringir os alimentos, mas realizar atividade física em excesso na tentativa de "queimar" o que foi consumido. Infelizmente, vemos isso incentivado pelos próprios profissionais de saúde, com boa intenção, mas sem se deparar com o fato do que estão divulgando mais mentalidade de dieta: pode comer, MAS… vai ter que gastar!

É muito importante nos movermos e realizarmos exercícios físicos para termos qualidade de vida e bem-estar, mas se essa prática está relacionada à compensação e à punição pelo que comemos, não pode ser vista como um comportamento saudável nem deve ser incentivada.

Não tenha medo da comida

A "comida de festa", que geralmente nos traz muito prazer e está longe de fazer parte do que entendemos como "dieta" (cheia de restrições e prescrições), não é proibida, e o fato de comermos esses alimentos em determinadas ocasiões não irá provocar aumento de peso ou trazer prejuízos à nossa saúde. Você não precisa ter medo da comida.

Se você aderiu a métodos compensatórios ou estava pensando em aderir, perceba que esse tipo de comportamento demonstra uma culpa em relação à alimentação que não nos faz bem. Comer contando calorias ou rotulando os alimentos em proibidos e permitidos acaba gerando uma frustração que paradoxalmente tentamos sanar com a própria comida.

O final de ano é tempo de amor, felicidade, alegria, amizade, família e não de medo ou angústia, principalmente relacionado a algo tão prazeroso quanto o ato de comer. Não deixe o terrorismo nutricional adentrar suas festas de fim de ano.

Escute sua fome enquanto aprecia a comida e as companhias

Para esse momento também é muito importante escutar a nossa fome. Se comemos normalmente, sem restrições, provavelmente chegaremos com uma fome moderada à mesa. Vale a pena respeitá-la, assim é possível servir-se de todos os alimentos e até repetir dos pratos que mais nos apetece.

Se comemos com prazer, saboreando e aproveitando as sensações que os alimentos nos proporcionam, é provável que a saciedade e a satisfação cheguem mais rápido. No entanto, se estamos vindo de um momento de restrição alimentar, o desejo pela comida provavelmente estará aumentado e fica difícil comer com prazer e mais fácil ligar o piloto automático e sair comendo sem muita consciência.

Além disso, apesar de a comida ter um papel muito importante nas festas, existem outros motivos para nos reunirmos ao redor da mesa. Comer junto tem também uma função social e a comida não é a única fonte de prazer desses momentos. A companhia das pessoas, o reencontro, a diversão e a conversa com pessoas queridas podem tirar o foco da comida e devem ser apreciados, proporcionando um momento mais agradável

E se eu exagerar?

Um exagero ocasional nas festas de fim de ano é bem comum. E quer saber? Também é totalmente normal. É natural querer mais uma porção da torta feita com tanto carinho ou do peru de Natal tão bem temperado, e a variedade e grande quantidade de comida ofertada pode nos levar a comer mais que o normal.

Isso também pode ser influenciado pela fome social, aquela que sentimos na presença de outras pessoas durante as refeições. Nesses momentos, a tendência é continuar comendo mesmo se não estamos mais com fome fisiológica, e por isso, é compreensível o exagero. Esse também se torna mais difícil de acontecer quanto mais comemos com consciência.

Se ontem você exagerou, saiba que não existe alimentação perfeita, ela não pode ser tão controlada e regular, pois acompanha, entre outras coisas, nossa fome, nossa fisiologia, nossa vida social e nosso humor, que como pode perceber, sofrem diversas variações.

Não adianta querer compensar o exagero, isso não vai ajudar, mas sim atrapalhar. O que devemos fazer é mais simples do que você pensa: volte à sua rotina, sem restrições, e alimente-se normalmente, o que inclui comer com prazer e sem culpa!

Feliz Natal e bon appétit!

Sophie Deram

Sobre a autora

Sophie Deram é uma nutricionista franco-brasileira, autora do best-seller “O Peso das Dietas”, palestrante, pesquisadora e doutora pela Faculdade de Medicina da USP (Universidade de São Paulo) no departamento de endocrinologia. Defende a importância do prazer de comer para a saúde e a ideia de comer melhor e não menos. Sophie não acredita nas dietas restritivas e no “terrorismo nutricional”. Desenvolve programas online para transformar a relação das pessoas com comida e ensina profissionais de saúde sobre nutrição que alia ciência e consciência.Leia mais no site da Sophie Deram: https://www.sophiederam.com/br/

Sobre o blog

Dicas, reflexões e estudos sobre a relação do nosso corpo com a comida, com foco em alcançar uma relação tranquila com os alimentos e, assim, obter um peso saudável. Esse é um espaço que passa longe dos modismos alimentares. Aqui promoveremos mudanças de hábitos que vão te ajudar a viver melhor. Acredito que o ser humano se nutre de alimentos e sentimentos.