É tempo de abandonar a cultura da dieta: entenda por que ela é um problema
No mundo todo, inúmeras pessoas sentem-se insatisfeitas com seus corpos refletidos no espelho e lutam com problemas de imagem corporal. Devido a essa insatisfação tanta gente se submete a anos de dietas restritivas e à prática de exercícios físicos que não proporcionam prazer nem bem-estar. Tudo pela busca de um corpo magro, musculoso, ou considerado como "ideal". Essas práticas estão inseridas na "cultura da dieta", que você pode até não conhecer o nome, mas está imersa nela.
A cultura da dieta transforma os alimentos em tabus
A cultura da dieta é um sistema de valores e crenças que permeiam a nossa sociedade e nos educa para termos corpos mais magros, seja com o intuito estético ou de ter mais saúde. Isso leva as pessoas a acreditarem que aqueles que estão se esforçando para perderem peso e moldarem seus corpos são mais disciplinados e mais dignos do que aqueles que não o fazem. E isso também gera uma categorização da comida em "proibida" e "permitida" e um sentimento de culpabilidade em relação ao que se come.
A culpa gera uma sensação de arrependimento, muito relacionada à moral. Ela não é de todo ruim, pois permite a boa convivência entre as pessoas e as coisas do mundo através das leis que regem cada sociedade. No entanto, por vezes surgem determinadas regras ao longo do tempo que trazem implicações para a nossa saúde física e mental. Essa cultura da dieta é uma delas. Quando criamos crenças sobre a comida e classificamos determinados alimentos em proibidos, eles se transformam em tabus. Ou seja, o chocolate não é mais apenas um chocolate, mas uma bomba cheia de açúcar e perigo. O tabu é paradoxal, pois com a proibição surge o desejo de violar a regra. Também por isso, quanto mais nos sentimos proibidos de comer certos alimentos, mais nosso desejo por eles aumenta. "Cair na tentação" gera mais culpa ao comer e mais desejo, como um círculo vicioso, que aumenta as chances de exagerar e até mesmo de desenvolver uma compulsão alimentar. Por isso, estou sempre lembrando que devemos comer com prazer e sem culpa!
Contra essa cultura da dieta têm surgido alguns movimentos no intuito de enfatizar a beleza de todos as formas corporais. Um deles é o "body positivity" (positividade corporal), que estimula as pessoas a admirarem e aceitarem seus corpos do jeito que eles são, com suas imperfeições. Isso pode ser difícil para a maioria das pessoas, pois o processo de aceitação é demorado, cheio de altos e baixos. Com isso, surgiu uma outra vertente, chamada "body neutrality" (neutralidade corporal) que nos motiva a nem amar, nem odiar nossos corpos, tirando o foco da aparência e dando mais ênfase ao que esse corpo nos permite fazer: viajar, movimentar-se, aprender coisas…
Não é apologia à obesidade!
Esses movimentos são criticados por muita gente, até mesmo profissionais de saúde, que veem neles uma apologia à obesidade. Esse pensamento é compreensível. Milhões de pessoas no mundo sofrem com a obesidade e sabe-se que ela pode contribuir para o aumento do diabetes, doenças cardíacas, câncer e vários outros problemas de saúde. Então, incentivar a perda de peso parece ser uma resposta lógica e apropriada a esta crise. A chave seria "fechar a boca e malhar", mas não é bem assim. Há alguns anos venho estudando sobre as consequências e o peso das dietas e a busca por elas é equivocada.
Todos nós nos beneficiamos da prática moderada de atividade física e de comer alimentos de melhor qualidade, como os in natura. E é provável que hábitos alimentares saudáveis proporcionem um peso saudável, que não é o mesmo para todos. Mas a cultura da dieta difundiu que precisamos seguir uma série de restrições alimentares e praticarmos exercícios físicos na busca por um corpo "ideal" e padronizado para todos.
Por trás disso, geralmente existe um discurso sobre a saúde. Ou seja, o pensamento de que devemos perder peso para sermos mais saudáveis. Mas será que fazer de tudo para ter um corpo inatingível gera mais saúde?
Vou falar de mais um movimento que se opõe à cultura da dieta para explicar melhor isso. Vocês conhecem o "Health at Every Size" (HAES)? Em português poderia ser traduzido como "Saúde em Todos os Tamanhos". Ele apresenta três componentes básicos:
- Respeito: celebrar todas as formas corporais e honrar as diferenças de tamanho, idade, raça, etnia, gênero, orientação sexual, religião, classe e outros atributos humanos.
- Consciência crítica: questionar premissas científicas e culturais; valorizar a consciência corporal e as próprias experiências vividas.
- Autocuidado compassivo: encontrar satisfação em movimentar-se e ser fisicamente ativo; comer de maneira flexível e sintonizada, valorizando o prazer e respeitando os sinais internos de fome e saciedade.
O HAES traz um argumento muito interessante. Esse movimento considera que como a altura, ou a cor dos olhos e da pele, os seres humanos têm uma variedade de formas e tamanhos. Assim, a forma corporal não deve ser considerada um indicador de saúde. Não é porque alguém é gordo que não é saudável e do mesmo modo, a magreza não é sinal de saúde.
Portanto, esses movimentos não fazem apologia à obesidade, apenas desejam mais respeito por corpos de todos os tamanhos, uma vez que a discriminação e o estigma em relação a determinadas formas corporais provocam efeitos na saúde mental. Isso pode levar as pessoas a terem vergonha de fazer coisas simples como consultar um médico, com medo de ele atribuir seus problemas de saúde ao peso, usar um biquíni na praia ou praticar um esporte, quando a forma do nosso corpo não deve ser um empecilho para deixarmos de fazer nada.
Faça as pazes com a comida e com o corpo
É muito comum encontrar no meu consultório pacientes com uma boa saúde física, mas que apresentam indicativos de que a saúde mental não anda tão bem assim. Geralmente sentem culpa por comer determinados alimentos ou insatisfação com a imagem corporal. Essa angústia muitas vezes é transmitida de forma geracional: de pais para filhos, de médico para paciente, de amigos para amigos.
Isso está muito relacionado com a cultura da dieta e é necessário fazer as pazes com a comida e com o corpo! Para isso, o melhor é adotar uma abordagem holística, com ciência e consciência que perceba a saúde de forma global e reconheça que estar em guerra com nosso corpo prejudica nosso potencial humano e não serve à nossa saúde mental e bem-estar.
Bon appétit!
Sophie Deram
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