Quanto mais exercício físico, melhor? Não necessariamente, entenda por quê
Todo mundo sabe de cor que a prática de atividade física contribui muito para termos uma vida mais saudável.. Ela é benéfica à nossa saúde, proporciona prazer, bem-estar e pode contribuir na prevenção e tratamento de uma série de problemas de saúde como doenças cardiovasculares, diabetes do tipo 2 e até mesmo vários tipos de câncer e doenças neurodegenerativas, podendo ser considerados como uma estratégia não-medicamentosa que leva para longe a possibilidade de desenvolver essas doenças. Mas será que quanto mais nos exercitamos, melhor? Ou existe uma dose certa?
A relação entre exercícios físicos e inflamação
Grande parte dos benefícios da atividade física regular para nossa saúde tem a ver com o fato de que essa prática está associada a uma diminuição da inflamação que consequentemente pode melhorar nossa saúde metabólica.
A inflamação é uma reação biológica normal do nosso corpo, que defende nossas células de lesões e agentes agressores. Pensando assim, a inflamação nos é benéfica e nos protege. Porém, pode se tornar um problema se ela se torna crônica.
Alguns comportamentos podem desencadear reações inflamatórias crônicas como estresse, insônia, excesso de peso e estilo de vida sedentário. Esses comportamentos desencadeiam a liberação de citocinas (moléculas que participam do sistema de defesa do organismo) inflamatórias de forma permanente no nosso corpo, diminuindo nossas defesas naturais.
No entanto, a prática de exercícios físicos tem um efeito anti-inflamatório importante, estando associada à redução de várias citocinas inflamatórias.
Isso acontece quando praticamos atividades físicas regulares e moderadas. Esse quadro muda se passamos a praticá-las em excesso, podendo ter um efeito contrário ao esperado…
Exercício físico em excesso não é saudável
Atletas de elite passam por treinamentos de alta intensidade e frequência para melhorar seu desempenho. Muitas vezes eles não têm um equilíbrio entre as sessões de treinamento e descanso e isso pode levar a um declínio do desempenho. Esses atletas podem frequentemente apresentar sintomas que reduzem sua performance, como: perda de apetite e peso, insônia, irritabilidade, queda da imunidade e até mesmo depressão.
Um estudo publicado na revista Cytokine com a participação de pesquisadores da Escola de Educação Física e Esporte de Ribeirão Preto (EEFERP) da Universidade de São Paulo (USP), avaliou os efeitos no treino excessivo em camundongos e mostrou que essa prática pode aumentar a liberação de citocinas pró-inflamatórias na corrente sanguínea, além de ter consequências em vários tecidos desses animais.
A hipótese era de que as citocinas eram as culpadas pela recuperação inadequada que induzia problemas musculares e nos ossos. O que eles descobriram vai muito além disso… Essas citocinas interagem com diferentes sistemas orgânicos, iniciando a maioria dos sinais de alerta citados anteriormente para a redução da performance.
Os pesquisadores viram que os efeitos do treinamento excessivo se refletem em problemas que afetam vários tecidos, como o muscular, fígado, coração e sistema nervoso central, e os danos podem ser mais profundos do que se imaginava.
No estudo eles foram mais longe e mostraram que a razão para esses danos não foi apenas o aumento da circulação de citocinas inflamatórias, pois eles persistiram mesmo depois que os níveis dessas citocinas voltaram ao normal.
Além do aumento de citocinas inflamatórias no sangue, os pesquisadores observaram problemas na sinalização de insulina no músculo, ou seja, o músculo tinha dificuldade de captar a glicose no sangue para ser usada como energia. Quando a glicose não é captada pelos músculos, ela é armazenada no fígado e o excesso de glicose nesse órgão pode se transformar em gordura. Foi exatamente isso que eles observaram: um acúmulo de gordura no fígado dos animais submetidos a protocolos de treinos excessivos. O acúmulo de gordura no fígado, por sua vez, desencadeia mecanismos pró-inflamatórios aumentando ainda mais os níveis de citocinas inflamatórias no sangue. O coração também sofre com esse problema de captação de açúcar, já que ele também é um músculo e precisa de glicose para bater.
Os pesquisadores observaram no tecido muscular que uma das organelas celulares responsáveis por produzir novas proteínas, os retículos endoplasmáticos, apresentaram sinais de atrofia e estresse podendo levar à produção de proteínas defeituosas, o que comprometeria o bom funcionamento do músculo esquelético (ligado aos ossos e responsável pelo movimentos destes).
O cérebro também foi afetado pela rotina de treinos exagerados. Os pesquisadores observaram um aumento da inflamação no hipotálamo. O hipotálamo é a região no nosso cérebro que controla, entre outras coisas, nosso comportamento alimentar. Isso poderia explicar a perda de apetite e de peso observada nos animais estudados.
Exercite-se na dose certa
Esse trabalho mostra a atletas, treinadores e coaches esportivos a importância do desenvolvimento de estratégias que evitem o treinamento crônico excessivo para que os atletas tenham suas capacidades físicas máximas, mantendo sua saúde física e também mental. Além disso, serve de alerta para qualquer pessoa que pratique atividade física de forma excessiva.
Vejo por aí muito gente praticando exercício físico de forma extenuante. Geralmente sem prazer, apenas com o objetivo de emagrecer ou atingir um corpo ideal. Mas do mesmo modo que uma dieta restritiva, a prática de exercício físico em exagero estressa nosso corpo e nosso cérebro. O que deveria nos proporcionar mais saúde, satisfação e bem-estar nos deixa mais cansados mental e fisicamente.
Portanto, busque uma atividade física que goste de fazer e pratique-a na dose certa para você, sempre respeitando o seu corpo. Assim como na nossa alimentação, no caso de exercícios físicos, equilíbrio também é a chave para se ter mais saúde!
Sophie Deram
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