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Blog da Sophie Deram

Papinhas prontas são saudáveis? Dicas para fazer a introdução alimentar

Sophie Deram

20/05/2020 04h00

Crédito: iStock

Quando vou ao supermercado e chego na seção dos alimentos para crianças, estou um pouco preocupada. Já falei sobre isso aqui em relação aos ofertas de tipos de leites. O forte apelo comercial desses alimentos pode confundir os pais na hora de escolher o que levar para casa. E não é só no Brasil que passamos por essa situação.

Em um comunicado de imprensa publicado em de julho 2019, a OMS (Organização Mundial de Saúde) fez um alerta aos países Europeus com relação à quantidade de açúcares encontrados em alimentos destinados à alimentação infantil. Um estudo realizado pela OMS/Europa descobriu que alimentos destinados à alimentação de bebês têm níveis de açúcar que ultrapassam os limites das diretrizes estabelecidas pela organização e que esses alimentos são inadequadamente comercializados para bebês, como também seus rótulos podem deixar os pais confusos.

A OMS desenvolveu um Modelo de Perfil de Nutrientes para crianças de 6 a 36 meses com o objetivo de guiar a decisão de que tipo de alimentos seriam ideais nessa faixa etária. A organização desenvolveu também uma metodologia para identificar alimentos, para crianças, comercializados e para coletar dados sobre o conteúdo nutricional nos rótulos desses produtos, bem como informações de embalagem, rotulagem e o tipo de publicidade usada para promover a venda desses alimentos.

No estudo, foram coletados dados de 7.955 alimentos e bebidas comercializados para bebês e crianças pequenas em 516 lojas de 4 cidades (Viena na Áustria, Sofia na Bulgária, Budapeste na Hungria e Haifa em Israel).

A OMS recomenda que nenhum tipo de alimentação complementar deveria ser comercializado como sendo adequado para bebês menores de 6 meses. Porém, viram que em todas as 4 cidades, uma grande proporção desses produtos (entre 28% e 60%) era comercializada como sendo adequadas para bebês com menos de 6 meses de idade.

Outra descoberta desse estudo foi que cerca da metade dos produtos analisados tinham 30% ou mais de suas calorias provenientes de açúcares, enquanto a OMS recomenda que as calorias provenientes de açúcares não devem passar de 15%. Esses produtos tinham em sua composição além de açúcar, sucos de fruta concentrados e outros agentes adoçantes adicionados à sua composição.

A OMS tem um guia europeu de alimentação e nutrição para bebês e crianças pequenas e também princípios orientadores para alimentação complementar da criança que é amamentada. E se compararmos as recomendações desses guias e os dados encontrados nesta pesquisa, veremos que a realidade nada tem a ver com as reais recomendações da OMS.

Quais são as recomendações da OMS depois dessa pesquisa?

Após essa pesquisa, a OMS criou um guia para ajudar os estados membros a entender que tipo de alimentos estão sendo comercializados para bebês e crianças pequenas com orientações para acabar com a promoção inadequada desses alimentos na Europa. Os objetivos deste guia são a proteção e incentivo ao aleitamento materno, prevenção da obesidade e doenças crônicas, a promoção de hábitos alimentares saudáveis desde a introdução alimentar e assegurar que os pais e/ou cuidadores tenham informações claras com relação à alimentação das crianças nessa faixa etária.

Além disso, foi determinado um prazo para que as empresas possam cumprir as normas da OMS que pregam que as calorias provenientes de açúcar não devem passar de 15% no produto.

Consequências do excesso do consumo de açúcar nessa faixa etária

Segundo a OMS os altos índices de açúcares encontrados nesses alimentos podem estar relacionados a problemas dentários dessas crianças, principalmente o desenvolvimento de cáries, e podem ter também uma associação com o aumento do risco de desenvolver obesidade e doenças associadas como dislipidemias, diabetes tipo 2, doenças cardiovasculares…

A diretora regional da OMS/Europa reforça que "A boa nutrição na infância continua sendo a chave para assegurar o crescimento e desenvolvimento ideais da criança e melhorar os resultados de saúde mais tarde – incluindo a prevenção do excesso de peso, obesidade e doenças não transmissíveis relacionadas à dieta, permitindo assim uma vida saudável e a promoção do bem-estar para todos, em todas as idades".

A importância da introdução alimentar em paz com a comida

O alerta feito pelo OMS foi dirigido aos países europeus, mas teve tom de alerta mundial. O consumo excessivo de açúcares pode definir o desenvolvimento das preferências de sabor das crianças, aumentando a predileção por alimentos mais doces. Quando a criança se habitua desde cedo a esses alimentos com muito açúcar elas têm mais dificuldade de aceitar alimentos in natura.

O melhor é apostar em uma alimentação baseada em alimentos frescos e preparados em casa que podem prevenir problemas de saúde futuros, relacionadas à alimentação.

Os alimentos industrializados são, certamente, práticos e podem ser mais baratos, mas não são indicados para crianças menores de 1 ano e após essa idade devem ser consumidos com moderação. Isso pode ajudar seu filho a ter uma relação mais saudável com a comida desde o início.

Aqui no Brasil foi lançado, no final de 2019, o Guia Alimentar para crianças brasileiras menores de 2 anos. Esse documento traz 12 passos valiosos que podem nos ajudar na alimentação das nossas crianças e bebês e em uma introdução alimentar em paz com a comida. Olha só:

  1. Amamentar até 2 anos ou mais, oferecendo somente o leite materno até 6 meses.
  2. Oferecer alimentos in natura ou minimamente processados, além do leite materno, a partir dos 6 meses.
  3. Oferecer água própria para o consumo à criança em vez de sucos, refrigerantes e outras bebidas açucaradas.
  4. Oferecer a comida amassada quando a criança começar a comer outros alimentos além do leite materno.
  5. Não oferecer açúcar nem preparações ou produtos que contenham açúcar à criança até 2 anos de idade.
  6. Não oferecer alimentos ultraprocessados para a criança.
  7. Cozinhar a mesma comida para a criança e para a família.
  8. Zelar para que a hora da alimentação da criança seja um momento de experiências positivas, aprendizado e afeto junto da família.
  9. Prestar atenção aos sinais de fome e saciedade da criança e conversar com ela durante a refeição.
  10.  Cuidar da higiene em todas as etapas da alimentação da criança e da família.
  11. Oferecer à criança alimentação adequada e saudável também fora de casa.
  12.  Proteger a criança da publicidade de alimentos.

Bon appétit!

Sophie Deram

Sobre a autora

Sophie Deram é uma nutricionista franco-brasileira, autora do best-seller “O Peso das Dietas”, palestrante, pesquisadora e doutora pela Faculdade de Medicina da USP (Universidade de São Paulo) no departamento de endocrinologia. Defende a importância do prazer de comer para a saúde e a ideia de comer melhor e não menos. Sophie não acredita nas dietas restritivas e no “terrorismo nutricional”. Desenvolve programas online para transformar a relação das pessoas com comida e ensina profissionais de saúde sobre nutrição que alia ciência e consciência.Leia mais no site da Sophie Deram: https://www.sophiederam.com/br/

Sobre o blog

Dicas, reflexões e estudos sobre a relação do nosso corpo com a comida, com foco em alcançar uma relação tranquila com os alimentos e, assim, obter um peso saudável. Esse é um espaço que passa longe dos modismos alimentares. Aqui promoveremos mudanças de hábitos que vão te ajudar a viver melhor. Acredito que o ser humano se nutre de alimentos e sentimentos.