Novo guia canadense considera que o peso não define obesidade
A obesidade é uma condição caracterizada pelo excesso de gordura corporal, que pode provocar prejuízos à saúde e aumentar o risco de complicações a longo prazo. É multicausal e está associada a diversos fatores: ambientais, genéticos, biológicos e socioeconômicos.
Nos últimos 30 anos, a prevalência da obesidade aumentou em todo o mundo e, no Canadá, atingiu, em 2016, cerca de 1,9 milhão de adultos. Tornou-se um importante problema de saúde pública, que afeta negativamente a saúde física e psicológica.
Além de ser fator de risco para doenças crônicas, pessoas com obesidade enfrentam bastante preconceito e frequentemente são estigmatizadas, o que não contribui em nada com a adesão ao tratamento, nem para a mudança da situação.
Diante disso, um guia sobre o tratamento de obesidade no Canadá, que não era atualizado desde 2006, ganhou uma nova versão.
Esta atualização do "Obesity in adults: a clinical practice guideline" reflete o aumento do conhecimento sobre a condição, como também os avanços quanto a melhores abordagens para avaliar e gerenciar o excesso de peso. Reconhece que o peso não define obesidade e propõe melhorar os resultados de saúde com foco no paciente, e não apenas na perda de peso.
Não se trata a obesidade fechando a boca e malhando mais
Um artigo publicado na Canadian Medical Association Journal traz um resumo da recomendações do guia canadense. A atualização é focada na obesidade de adultos e seu objetivo é disseminar para os profissionais de saúde, público-alvo deste documento, a gama de opções para avaliar e tratar as pessoas que vivem com obesidade. Também pode ser utilizado por formuladores de políticas públicas, pessoas afetadas pela obesidade e suas famílias.
Os autores alertam que as limitações de recursos e as preferências individuais dos pacientes podem dificultar a aplicação de todas as recomendações, mas elas visam melhorar o padrão e o acesso a cuidados para pessoas com obesidade em todas as regiões do Canadá, dando atenção, inclusive, ao manejo da obesidade em povos indígenas.
O guia considera que o cuidado da obesidade deve ser baseado em evidências científicas e ir além de abordagens simplistas como "comer menos", "fechar a boca" e "malhar mais", abordando os seus principais fatores, considerando que peso não define obesidade e combatendo o estigma de peso, que influencia negativamente o nível e a qualidade do atendimento das pessoas que convivem com a obesidade.
Peso não define obesidade e IMC é uma ferramenta limitada
Embora as recomendações sobre obesidade ainda indiquem o uso do IMC (Índice de Massa Corporal) e da circunferência da cintura para avaliar e classificar o excesso de peso, esse guia canadense reconhece as limitações clínicas destas ferramentas. Propõe-se que elas sejam utilizadas para a triagem dos pacientes e que os profissionais de saúde se concentrem mais em como o peso afeta a saúde de uma pessoa do que no número da balança.
De acordo com as diretrizes, pequenas reduções de peso, de cerca de 3-5%, podem levar a melhorias na saúde. No entanto, o peso em que o corpo se estabiliza ao adotar comportamentos saudáveis pode ser chamado de "melhor peso" ou "peso saudável" e não corresponder ao "peso ideal" de acordo com o IMC. Pois o peso não define obesidade, sendo necessários outros parâmetros de avaliação e diagnóstico.
Os autores reconhecem que o tratamento da obesidade deve ter como objetivo melhorar a saúde e o bem-estar, e não apenas a perda de peso, sendo necessárias mais pesquisas para isso, bem como a atualização dos profissionais de saúde.
O guia também chama a atenção para as crenças dominantes sobre as pessoas com obesidade. Elas são muitas vezes rotuladas como irresponsáveis e sem força de vontade, gerando sentimentos como culpa e vergonha, que afetam negativamente a qualidade dos cuidados em saúde.
Por isso, é extremamente importante educar os profissionais de saúde e a sociedade em geral, como também melhorar o acesso a serviços médicos, oferecer tratamento e equipamentos adequados, proteger as pessoas do consumo de produtos e serviços para perda de peso sem fundamentação científica ou com metas insustentáveis, e romper quaisquer barreiras que afetam o cuidado de pessoas como obesidade.
5 orientações para o tratamento da obesidade
Este guia canadense é uma iniciativa muito importante que está em sintonia com o Manifesto para um novo olhar sobre obesidade, um evento que idealizei para discutir possíveis soluções que não tenham a perda de peso como foco e que trate a pessoa com obesidade de forma respeitosa e empática.
O documento traz, ainda, 5 orientações para serem seguidas pelos profissionais de saúde no atendimento a pessoas que convivem com a obesidade que podem contribuir para o modo como avaliamos e tratamos a obesidade. Vou mostrá-las aqui resumidamente.
1. Pedir permissão. Os profissionais de saúde devem assumir que nem todos os pacientes estão preparados para iniciar um tratamento para a obesidade. Por isso, eles devem pedir permissão para oferecer conselhos e ajudar a tratar essa doença de maneira imparcial. Usar frases como "Podemos conversar sobre o seu peso?" pode ser uma forma de demonstrar empatia e de criar vínculo entre profissional e paciente.
2. Avaliar a história do paciente. Para isso, os profissionais de saúde precisam usar medidas apropriadas e identificar as causas, complicações e barreiras ao tratamento da obesidade. Precisamos lembrar que a obesidade é multifatorial e muitas questões podem estar envolvidas, inclusive emocionais. É preciso concentrar-se nos resultados de saúde centrados no paciente e não na perda de peso.
3. Conversar sobre as opções de tratamento. Entre as principais opções de tratamento estão a terapia nutricional e a atividade física, pois sabemos que todas as pessoas, independentemente do tamanho ou composição corporal, se beneficiam da adoção de um padrão alimentar saudável e da prática regular de exercícios físicos.
Terapias auxiliares também podem ser necessárias, como psicoterapia, medicamentos e cirurgia bariátrica. Nesses casos, o paciente deve ser bem informado e ter acompanhamento médico.
4. Definir metas de forma colaborativa. Paciente e profissional devem acordar os objetivos da terapia conjuntamente e construir um plano de ação sustentável, concentrando-se principalmente na saúde, uma vez que peso não define obesidade.
5. Acompanhar o paciente e lutar por um cuidado mais eficaz. Os profissionais de saúde também devem se engajar com os pacientes a partir de acompanhamento e reavaliações contínuas, como também incentivando a melhoria do atendimento à obesidade e o combate ao estigma de peso.
Bon appétit!
Sophie Deram
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