Precisamos acabar com o terrorismo nutricional e aprender a comer sem culpa
Sophie Deram
11/10/2017 04h00
Crédito: iStock
Hoje em dia, olhamos para os alimentos de maneira muito simplificada: ou é ruim ou é bom; ou engorda ou emagrece. Não existe nada disso quando se estuda a ciência da nutrição. Nenhum alimento por si só faz você engordar ou emagrecer de repente. E nenhum alimento cura o câncer ou faz desaparecer sua celulite.
E você, come bem?
Antigamente, se respondia "sim" ou "não" a essa simples pergunta, baseando se a pessoa tinha o suficiente para comer ou não. Hoje, existe uma certa apreensão para responder. A maioria responde "Eu como bem, mas…" e esse "mas" mostra a grande ansiedade que temos frente ao ato de comer bem.
"Eu como bem, mas algumas vezes eu piso na jaca…"
"Eu como bem, mas não consigo manter minha disciplina…"
"Eu como bem, mas não consigo ficar sem chocolate…"
Se você pensar bem, porque você precisaria viver sem chocolate, sem pão, sem arroz, sem seja lá o que for que você acredita que precisa evitar?
Existe muita ansiedade na hora de comer. O que comer? O que é bom para mim? O que devo comer? O que posso comer? O que não devo comer? Raramente, pensamos no que realmente queremos, principalmente porque chegamos a acreditar que tudo o que é gostoso faz mal e tudo o que é saudável não é muito gostoso. Não é assim mesmo? Isso se tornou um grande dilema do homem moderno.
Sofremos de "nutricionismo"
O grande culpado é o "cientificismo" ou o excesso de informação e ciência (muitas vezes, pseudociência) que nos deixa confusos. Gyorgy Scrinis, um pesquisador australiano, denunciou isso e inventou a palavra "nutricionismo", que descreve o excesso de ciência, reduzindo alimentos a nutrientes. Você não come macarrão ou pão, mas carboidratos. Não come abacate, mas gordura boa. Não come cenoura, mas betacaroteno.
A demonização dos alimentos começou há mais de 40 anos, com a gordura. Depois veio a vez do carboidrato, o açúcar e, mais recentemente, o glúten, a lactose e a frutose. Perceba que é cada vez mais difícil entender o que é, exatamente, que faz mal. Para isso, você precisaria entender a composição dos alimentos: proteínas, açúcares, etc… O que é glúten? O que é lactose? O que é frutose? Será que precisamos parar de comer frutas? Claro que não! Isso é excesso de "cientifismo" mal interpretado e transformado em terrorismo. As informações mudam o tempo todo e, muitas vezes, são conflitantes.
As verdadeiras pesquisas científicas nunca dão resultados tão radicais assim. O problema é a interpretação que é feita desses resultados e a procura do sensacionalismo. A ciência sugere moderação: "Excesso de açúcar pode aumentar o risco de ter diabetes". Escutamos "açúcar dá diabetes". Coitado do açúcar! É claro que há algumas pessoas que têm problemas ou alergias e isso precisa ser tratado. Alguns, por exemplo, sofrem de doença celíaca e precisam evitar o glúten. Mas tirar o glúten, a lactose e a frutose de uma população inteira é insanidade.
Esse terrorismo faz com que o ato de comer se torna um ato potencialmente perigoso. Não existem alimentos venenosos ou milagrosos e nosso corpo é capaz de digerir todo tipo de alimento. Você pode comer de tudo, mas não tudo! Coma com moderação.
Quando você só foca nos nutrientes e nas calorias, esquece de escutar seu corpo
Você não responde mais à fome e à saciedade, mas às regras impostas e ao seu lado racional. Você pensa demais e deixa de sentir. Comer se torna algo estressante. Você vive na ansiedade de nunca conseguir seguir as regras "certas" e sente culpa na hora de comer. Essa culpa ao comer é algo recente na nossa sociedade e atrapalha nossa saúde mental, social e física.
Precisamos acabar com essa culpa ao comer
Essa é uma das coisas que eu mais trabalho no meu consultório: quebrar as crenças limitantes dos meus pacientes para eles fazerem as pazes com a comida e o corpo. É muito importante para nossa saúde se reconectar com nosso corpo, voltar a escutar as nossas sensações de fome e saciedade e poder comer sem culpa.
A culpa ao comer está sendo cada vez mais estudada e foi observado que ela aumenta o risco de você engordar: fazendo com que você coma mais rápido e em maiores quantidades sem perceber. Ela também altera sua digestão e aumenta o seu estresse. Quando você come com prazer e sem culpa, você come menos ao longo do tempo porque toma o tempo de saborear e fica satisfeito mais cedo. Pesquisas também comprovam isso!
Então bon appétit! Sem terrorismo e sem culpa! E aqui nesse espaço, vou ajudá-lo a encarar a alimentação de uma maneira mais leve.
Sophie Deram
Sobre a autora
Sophie Deram é uma nutricionista franco-brasileira, autora do best-seller “O Peso das Dietas”, palestrante, pesquisadora e doutora pela Faculdade de Medicina da USP (Universidade de São Paulo) no departamento de endocrinologia. Defende a importância do prazer de comer para a saúde e a ideia de comer melhor e não menos. Sophie não acredita nas dietas restritivas e no “terrorismo nutricional”. Desenvolve programas online para transformar a relação das pessoas com comida e ensina profissionais de saúde sobre nutrição que alia ciência e consciência.Leia mais no site da Sophie Deram: https://www.sophiederam.com/br/
Sobre o blog
Dicas, reflexões e estudos sobre a relação do nosso corpo com a comida, com foco em alcançar uma relação tranquila com os alimentos e, assim, obter um peso saudável. Esse é um espaço que passa longe dos modismos alimentares. Aqui promoveremos mudanças de hábitos que vão te ajudar a viver melhor. Acredito que o ser humano se nutre de alimentos e sentimentos.