Dê uma chance para a gordura: ela até pode te ajudar a emagrecer
Sophie Deram
07/02/2018 04h20
Crédito: Silvia Zamboni/Folhapress
Sou franco-brasileira, nutricionista e amo comer. Para mim, gordura faz parte do cotidiano –sempre com moderação. Qual é o problema de comer um pãozinho quente com um pouco de manteiga pela manhã, junto com o café? Ao escolher um croissant, prefiro um bom, feito à base de manteiga de verdade. Mas é mito que os franceses comem croissant todos os dias, ok? É uma delícia justamente porque comemos ocasionalmente.
Em casa, a famosa quiche lorraine com ovos, queijo, bacon e creme de leite no recheio faz um grande sucesso e é um dos pratos que meus filhos gostavam de comer quando eram crianças.
E uma das coisas que todos estes alimentos têm em comum é a gordura. Sim, a gordura dá sabor para as coisas. Mas a ditadura das dietas nos fez acreditar que é proibido querer comer coisas gostosas. Um simples pão na chapa parece tão errado quando você abre o Instagram e dá de cara com uma musa fitness tomando suco verde e comendo tapioca, não é verdade?
Gordura começou se tornar vilã nos anos 70
Essa demonização da gordura começou há bastante tempo, na década de 50, quando ela foi associada a doenças do coração em estudos controversos. A crença ganhou força nos anos 70, quando o mundo passou a achar cool ser magro. Ninguém queria mais comer gordura, porque ela engorda e faz mal para o coração. Será?
De olho nessa demanda, a indústria não demorou para lotar os supermercados com uma ampla gama de produtos light, com seus rótulos chamativos e extremamente sedutores. "Zero gordura" parecia ser o novo passe livre para uma vida saudável e para a prevenção contra a obesidade.
Alimento sem gordura = alimento sem graça
Mas, como disse no início deste texto, gordura é sinônimo de sabor. Tire a gordura e acaba a graça. E produto sem graça não vende! A solução foi colocar outros elementos nestes produtos, como farinhas refinadas, xaropes, aromatizantes e bastante açúcar.
Essa troca refletiu na saúde da população. Afinal, as pessoas deixaram a gordura de lado, mas passaram a consumir muito mais açúcar. E eis que novos estudos passaram a confrontar as pesquisas anteriores que colocavam a gordura no lugar de vilã.
Muitos deles observaram que, de forma moderada, ela pode ser benéfica para o corpo e não oferece risco ao nosso coração, como foi tão falado décadas atrás. Algumas pesquisas também mostraram que comer um pouco de gordura na refeição aumenta o grau de saciedade, e, por isso, pode até fazer as pessoas comerem menos.
Um dos estudos mais recentes dentro deste tema foi divulgado em 2017, na renomada revista científica The Lancet, e causou muita polêmica. O Prospective Urban Rural Epidemiology (PURE) analisou os hábitos alimentares de mais de 130 mil pessoas, em 18 países diferentes.
Observaram que ingestão elevada de carboidrato aumentava mais o risco cardiovascular e índice de mortalidade do que o consumo de gordura de forma moderada. Ficou observado cientificamente, mais uma vez, que a gordura (com moderação) não é a vilã da história e que foi mesmo injustiçada por muitos anos.
Agora, será que o vilão é o carboidrato, como dizem os defensores do low-carb? Também não! Esse estudo observou refeições com quantidades exageradas de carboidratos (mais de 60% da ingestão calórica).
Ou seja, mais uma vez o discurso deveria ser da moderação, de um padrão alimentar equilibrado e não demonizar nutrientes. Mas sim, incentivar comida de verdade, que representa naturalmente proporções de gordura e carboidratos.
Mas, então, pode comer manteiga?
"Comer melhor e não menos" é um dos meus mantras. Então, em vez de ficar pensando na quantidade de gordura que você pode consumir, procure fontes de qualidade. Se for uma manteiga de boa qualidade e em uma quantidade razoável, por que não?
Vale lembrar que a gordura natural é sempre mais interessante. Por isso, uma mudança positiva que você pode fazer pela sua saúde é diminuir o consumo de ultraprocessados e incluir mais alimentos frescos.
Esqueça as dietas malucas que cortam grupos alimentares inteiros. Se for pra escolher uma, inspire-se na alimentação mediterrânea, que é universalmente conhecida como uma ótima estratégia de prevenção às doenças do coração. Azeite de oliva, peixes, castanhas, frutas, vegetais e até laticínios. Tudo isso bem distribuído entre as refeições te dará um bom aporte de gordura diário e uma sensação de variedade e felicidade ao comer.
Ao contrário do que possa parecer, a nossa gordura corporal não serve só para se "estacionar" nos lugarzinhos "errados", ela é essencial para a produção de hormônios, a fertilidade e libido (especialmente em mulheres), a reprodução das nossas células, serve como reserva de energia e isolamento térmico, entre outras funções.
Claro que a ingestão exagerada de gordura não é benéfica para a saúde e pode até ser inflamatória, especialmente a gordura saturada. Camundongos alimentados com grande quantidade de banha de porco apresentam um aumento de peso e alterações metabólicas em apenas dois meses. Como tudo na vida, qualquer coisa em excesso faz mal: carboidrato, proteína, açúcar, sódio… E até informação em excesso sobre alimentação pode bagunçar sua relação com a comida.
Então, procure o equilíbrio e coma melhor.
Bon appétit!
Sophie Deram
Sobre a autora
Sophie Deram é uma nutricionista franco-brasileira, autora do best-seller “O Peso das Dietas”, palestrante, pesquisadora e doutora pela Faculdade de Medicina da USP (Universidade de São Paulo) no departamento de endocrinologia. Defende a importância do prazer de comer para a saúde e a ideia de comer melhor e não menos. Sophie não acredita nas dietas restritivas e no “terrorismo nutricional”. Desenvolve programas online para transformar a relação das pessoas com comida e ensina profissionais de saúde sobre nutrição que alia ciência e consciência.Leia mais no site da Sophie Deram: https://www.sophiederam.com/br/
Sobre o blog
Dicas, reflexões e estudos sobre a relação do nosso corpo com a comida, com foco em alcançar uma relação tranquila com os alimentos e, assim, obter um peso saudável. Esse é um espaço que passa longe dos modismos alimentares. Aqui promoveremos mudanças de hábitos que vão te ajudar a viver melhor. Acredito que o ser humano se nutre de alimentos e sentimentos.