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“Hiperpalatáveis”: conheça os alimentos difíceis de parar de comer

Sophie Deram

27/11/2019 04h00

Crédito: iStock

Alguns alimentos são tão saborosos que é difícil parar de comê-los. É o que cientistas da Universidade de Kansas, nos Estados Unidos, chamam de alimentos "hiperpalatáveis". Em um estudo publicado no periódico Obesity, eles desenvolveram uma definição para esse tipo de alimento, de acordo com a combinação de ingredientes ligados ao sabor. E acreditam que o estudo pode contribuir para avanços científicos e ajudar a compreender os mecanismos que nos levam a comer em excesso.

O que são alimentos hiperpalatáveis?

Os seres humanos não se alimentam apenas para matar a fome e manter o organismo em funcionamento. Também comemos por razões hedônicas ou motivados por recompensas. Isso tem efeitos em vários mecanismos psicológicos e fisiológicos que direcionam a ingestão de alimentos e a regulação do balanço energético.

Já se sabe que alimentos muito saborosos ou palatáveis estão envolvidos nisso e diversos estudos científicos já foram realizados. Um alimento hiperpalatável é aquele em que a sinergia entre componentes do alimento -como gordura, sódio (sal), açúcar e carboidratos – o torna mais saboroso. Pense em barras de chocolate, salgadinhos de pacote e biscoitos, e em como é agradável comê-los. No entanto há uma grande limitação nas pesquisas envolvendo esse tipo de alimento.

Na literatura, os alimentos palatáveis foram definidos usando termos descritivos (por exemplo, fast food, doces), e não há uma definição padronizada. A maioria das pesquisas publicadas se refere a alimentos palatáveis como densos em energia e contendo ingredientes que aumentam a palatabilidade, como gordura, açúcar e sódio. No entanto, as definições variam e se concentraram em categorias de alimentos, como fast-food, frituras, doces, ultraprocessados ou sobremesas.

As definições descritivas de alimentos palatáveis são amplas demais. Por exemplo, uma descrição de comida saborosa do fast-food sugere que qualquer alimento vendido em um restaurante de fast-food é um alimento hiperpalatável. No entanto, alguns desses restaurantes vendem saladas e itens grelhados, que podem ou não ser tão saborosos quanto um hambúrguer de queijo. Ao mesmo tempo, essa descrição não considera outros alimentos que possam ter quantidades semelhantes de gordura, açúcar e sódio (e provavelmente efeitos similares na palatabilidade).

Tem sido amplamente divulgado na mídia que a indústria alimentícia tem fórmulas bem estabelecidas com base em combinações de gorduras, açúcares e sódio que maximizam a palatabilidade e promovem um maior consumo de alimentos. No entanto, essas definições quantitativas específicas são praticamente desconhecidas para a comunidade científica.

Uma definição quantitativa para os alimentos hiperpalatáveis

Considerando que a falta de uma definição uniforme para alimentos altamente palatáveis ​​é uma séria limitação no campo da pesquisa sobre obesidade e nutrição, os pesquisadores tiveram o objetivo de desenvolver uma definição quantitativa para os alimentos hiperpalatáveis.

Para isso, eles utilizaram as definições descritivas mais comuns utilizadas em artigos científicos e utilizando um software de nutrição quantificaram as gorduras, carboidratos e sódio.

Esses nutrientes estão diretamente implicados no aumento da palatabilidade dos alimentos. Além disso, esses alimentos podem estar envolvidos na ativação do nosso circuito de recompensa, criando uma experiência altamente gratificante. Assim, fica difícil parar de comê-los, mesmo quando já estamos saciados.

Os pesquisadores definiram alimentos hiperpalatáveis ​​como aqueles que contêm:

  • mais de 25% de sua energia proveniente das gorduras e 0,3% ou mais do seu peso de sódio. Como o bacon, cachorro-quente e algumas pizzas;
  • mais de 20% de sua energia proveniente de açúcares simples e a mesmo percentual de gorduras. Por exemplo: brownie, bolo e sorvete;
  • ou mais de 40% da energia proveniente de carboidratos e 0,2% do seu peso de sódio, como pães e biscoitos.

De acordo com a pesquisa, 62% dos alimentos da Food and Nutrient Database for Dietary Studies (base de dados utilizada no estudo e representativa do sistema alimentar americano) são hiperpalatáveis, incluindo alimentos que não vêm à mente como super saborosos. Destes, 30% eram produtos com base em grãos (como pastas e cereais) e 32% em carnes processadas. Apenas 7% dos itens alimentares eram produtos baseados em frutas que passaram por algum processamento.

A maioria dos alimentos hiperpalatáveis ​​(70%) era saborosa por causa de seu teor de gordura e sódio, 25% preenchiam os critérios de gordura e açúcar e 16% preenchiam os de carboidratos e sódio. Menos de 10% dos alimentos atenderam aos critérios de mais de uma das três categorias.

Muitos alimentos com redução de calorias ou gorduras também são hiperpalatáveis

Um dado muito interessante nessa pesquisa é que dos 443 itens do banco de dados rotulados como tendo pouca ou nenhuma gordura, açúcar, sal ou calorias, 216 (49%) atenderam à definição de hiperpalatabilidade. Mais notavelmente, 102 de 127 itens (80%) rotulados com redução de gorduras ou calorias atenderam aos critérios para alimentos hiperpalatáveis.

Isso sugere que os alimentos ditos dietéticos comercializados, particularmente os que apresentam redução de gorduras e calorias, podem ter palatabilidade aumentada, podendo levar a um consumo excessivo.

Os alimentos definidos como zero, diet ou light são vistos e vendidos como produtos "mais saudáveis" que são vendidos como auxílio na perda ou controle de peso; porém, ao reduzirem um determinado nutriente, como as gorduras, é necessário compensar a perda adicionando outros nutrientes, como carboidratos. Além disso, para que o produto continue com características de sabor, textura e consistência é provável que se utilize aditivos alimentares.

Os alimentos in natura são menos hiperpalatáveis

Veja só, corroborando com outras evidências que indicam uma distinção entre os alimentos in natura e minimamente processados em relação aos hiperpalatáveis, o estudo mostrou que frutas, peixes e carnes frescos ou crus não apresentaram critérios de hiperpalatabilidade.

Os legumes cozidos em cremes, molhos e gorduras também atenderem aos critérios, ilustrando como a preparação ou o processamento de alimentos, e não necessariamente o próprio alimento, pode ser a chave para determinar sua hiperpalatabilidade.

Coma com moderação e prazer

Este trabalho preenche a necessidade de uma definição padronizada de hiperpalatabilidade e se constitui como uma ótima iniciativa científica. Porém necessita de mais estudos que analisem as características dos alimentos e apresentem os motivos que os tornam tão saborosos, podendo levar a um consumo excessivo. Os critérios dos alimentos hiperpalatáveis provavelmente precisarão de aprimoramento para alcançar uma definição ideal que seja bem apoiada por uma variedade de evidências científicas e pesquisadores dos campos da ciência da obesidade e nutrição são necessários para apoiar e contribuir com esse processo.

Uma das limitações do estudo é que eles não examinaram alimentos líquidos, como bebidas açucaradas. Os critérios para os alimentos sólidos não podem ser generalizados para as bebidas, que apresentam outros níveis de palatabilidade.

Não é necessário "cortar" esse tipo de comida da sua alimentação.

Ter prazer em comer é também importante. Nossa gastronomia desde os primeiros momentos da humanidade buscou ganhar palatabilidade usando mais gordura, carboidratos e sal. Um exemplo? O molho bechamel feito a base de manteiga, farinha de trigo, sal e leite! Uma delícia que deixa por exemplo a couve-flor muito mais gostosa, especialmente gratinada com um pouco de gruyère por cima !

Uma vida saudável pede uma vida em paz com a comida e o corpo, com uma alimentação equilibrada e longe das dietas restritivas! Mas ter conhecimento que certas combinações tornam os alimentos mais palatáveis e podem levar a excessos contribui para comermos com mais consciência. Comer melhor e não menos!

Bon appétit!

Sophie Deram

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Sobre a autora

Sophie Deram é uma nutricionista franco-brasileira, autora do best-seller “O Peso das Dietas”, palestrante, pesquisadora e doutora pela Faculdade de Medicina da USP (Universidade de São Paulo) no departamento de endocrinologia. Defende a importância do prazer de comer para a saúde e a ideia de comer melhor e não menos. Sophie não acredita nas dietas restritivas e no “terrorismo nutricional”. Desenvolve programas online para transformar a relação das pessoas com comida e ensina profissionais de saúde sobre nutrição que alia ciência e consciência.Leia mais no site da Sophie Deram: https://www.sophiederam.com/br/

Sobre o blog

Dicas, reflexões e estudos sobre a relação do nosso corpo com a comida, com foco em alcançar uma relação tranquila com os alimentos e, assim, obter um peso saudável. Esse é um espaço que passa longe dos modismos alimentares. Aqui promoveremos mudanças de hábitos que vão te ajudar a viver melhor. Acredito que o ser humano se nutre de alimentos e sentimentos.