Há relação entre obesidade e covid-19? Ligação parece não ser tão direta
Sophie Deram
27/05/2020 04h00
Crédito: iStock
No mundo todo, bilhões de pessoas sofrem com o excesso de peso e algumas notícias sobre a relação entre obesidade e a covid-19, doença causada pelo novo coronavírus, têm gerado preocupação e ansiedade. Ficar ansioso não vai resolver e posso ajudar você a entender melhor o tema.
O que a ciência tem mostrado sobre obesidade e o novo coronavírus?
Alguns estudos científicos foram realizados para analisar essa associação. Um deles, publicado como um breve relatório na revista Obesity, avaliou 124 pacientes internados em terapia intensiva na França. Os pesquisadores observaram que 47,6% dos pacientes apresentavam excesso de peso e 28,2% obesidade grave (IMC maior que 35kg/m²).
Dados americanos publicados na Clinical Infectious Diseases sugerem que a obesidade em pacientes com menos de 60 anos pode ser um fator de risco para a covid-19, o que também é mostrado por uma breve correspondência com dados de 265 pacientes internados em unidades de tratamento intensivo (UTI) de hospitais universitários dos Estados Unidos.
No entanto, esses estudos não são suficientes para afirmar que a obesidade é um fator de risco para a covid-19. Todos eles são preliminares, feitos com amostras pequenas e apresentam muitas limitações. Indicam que mais pesquisas precisam ser realizadas e não permitem concluir que a obesidade é um fator de risco para a infecção.
Mesmo com a escassez de comprovações científicas, as pessoas com obesidade que apresentam IMC maior que 40kg/m² têm sido classificadas como grupo de risco para a covid-19. Uma correspondência a ser publicada em junho de 2020 em uma das maiores revistas científicas do mundo, a The Lancet, chama a atenção para isso.
Os autores consideram que existam condições que tornem os pacientes mais vulneráveis à doença, mas quanto ao IMC maior que 40kg/m² não existem dados comprobatórios, apesar de ser divulgado como um fator de risco no "Guia para distanciamento social de todos no Reino Unido", como também pelo Centro de Controle e Prevenção de Doenças dos Estados Unidos.
Os autores afirmam: "Embora se reconheça que um IMC mais elevado tenha sido associado a um maior risco de diabetes tipo 2, doenças cardiovasculares e hipertensão, os quais são preditores de maus resultados para a covid-19, até o momento, nenhum dado disponível mostra resultados adversos de covid-19 especificamente em pessoas com um IMC maior ou igual a 40kg/m2".
Também apontam para a necessidade de mais evidências e informações que expliquem os motivos para a obesidade ser identificada como um fator de risco para formas mais graves da infecção, inclusive para que profissionais de saúde, organizações, instituições e hospitais possam dar maior apoio e melhor tratamento para essas pessoas.
Mesmo sem comprovação, essa informação pode gerar ansiedade
Os autores também alertam que a difusão de informações sobre a relação entre obesidade e covid-19 pode gerar ansiedade nas pessoas que apresentam obesidade:
"A escassez de informações sobre o aumento do risco de doença para pessoas com IMC acima de 40kg/m2 é ambígua e pode aumentar a ansiedade, uma vez que esses indivíduos foram classificados como vulneráveis a contraírem covid-19 em sua forma grave".
Isso pode levar a uma busca por emagrecimento rápido por meio de dietas restritivas, que não são sustentáveis nem contribuem com a saúde. É bom lembrar que fazendo restrições alimentares e excluindo grupos de alimentos nossa alimentação pode ficar carente de energia e nutrientes, o que pode prejudicar nossa imunidade, especialmente importante no combate a infecções.
Além disso, quem apresenta um peso considerado normal também pode sentir um alívio ilusório: "da mesma forma, é preocupante que o ponto de corte do IMC (≥40kg/m2) possa dar uma falsa segurança para pessoas com IMC mais baixos".
É importante lembrar que ainda que algumas pessoas estejam mais expostas ao vírus, pela sua ocupação ou dificuldade em adotar medidas de higiene, e que determinadas condições de saúde (como diabetes, asma e idade avançada) aumentem as chances de desenvolver a doença em sua forma mais grave, todos nós estamos sujeitos a contrair essa doença.
Por isso, precisamos de condições para que todos possam se proteger e soluções para que os sistemas de saúde possam tratar todas as pessoas infectadas, sem discriminação, inclusive com equipamentos hospitalares adequados para o tratamento de pessoas com obesidade, um problema que precisa ser discutido, como proponho no Manifesto para um novo olhar sobre obesidade.
Cuide da sua saúde sem estresse!
Portanto, se você está preocupado com a obesidade e a covid-19 lembre-se que não existem dados suficientes que confirmem essa relação. Para se prevenir a melhor opção é ficar em casa, se possível, e adotar medidas de higiene.
Além disso, é importante cuidar da saúde de uma forma geral, esteja você com um excesso de peso ou não. Aqui estão 5 dicas que podem te ajudar nisso:
- Não faça dietas restritivas. As estratégias de perda de peso rápido não são saudáveis nem sustentáveis e podem provocar efeito sanfona. Você não precisa emagrecer rapidamente. Se está em busca de um peso saudável, tente uma perda gradual, focando mais na mudança de hábitos e menos na balança.
- Conecte-se com as sensações do seu corpo. Perceba quando seu corpo está com fome e alimente-se até sentir-se saciado.
- Desenvolva habilidades culinárias. Cozinhar contribui muito para a nossa saúde, pois pode ajudar a aumentar o consumo de comida caseira e a comer com mais prazer. Você também pode experimentar compartilhar essa tarefa com a sua família e ao final partilhar a refeição.
- Pratique atividade física. Busque, mesmo em casa, uma atividade que te proporcione um momento de lazer e de prazer. O objetivo principal é o autocuidado e não a perda de peso.
- Dê atenção às suas emoções. Nesse período, pode perceber que está descontando suas emoções na comida, é o que chamamos de fome emocional. Isso é normal, mas você também pode experimentar outras formas de lidar com seus sentimentos. E se precisar, não hesite em buscar ajuda de profissionais.
Bon appétit!
Sophie Deram
Sobre a autora
Sophie Deram é uma nutricionista franco-brasileira, autora do best-seller “O Peso das Dietas”, palestrante, pesquisadora e doutora pela Faculdade de Medicina da USP (Universidade de São Paulo) no departamento de endocrinologia. Defende a importância do prazer de comer para a saúde e a ideia de comer melhor e não menos. Sophie não acredita nas dietas restritivas e no “terrorismo nutricional”. Desenvolve programas online para transformar a relação das pessoas com comida e ensina profissionais de saúde sobre nutrição que alia ciência e consciência.Leia mais no site da Sophie Deram: https://www.sophiederam.com/br/
Sobre o blog
Dicas, reflexões e estudos sobre a relação do nosso corpo com a comida, com foco em alcançar uma relação tranquila com os alimentos e, assim, obter um peso saudável. Esse é um espaço que passa longe dos modismos alimentares. Aqui promoveremos mudanças de hábitos que vão te ajudar a viver melhor. Acredito que o ser humano se nutre de alimentos e sentimentos.