Alimentos fermentados também podem ser fonte de probióticos
Sophie Deram
19/08/2020 04h00
Crédito: Istock
Leite, iogurtes, queijos, mas também chucrute, picles e alguns tipos de pães são alimentos fermentados com bactérias ácido- lácticas, algumas das quais têm propriedades probióticas.
Para quem não sabe, ou se confunde, probióticos são produtos alimentares que contêm micro-organismos vivos cuja ingestão pode trazer benefícios à saúde. Os lactobacilos encontrados no leite, por exemplo, apresentam propriedades probióticas. Já os prebióticos são partes não digeríveis dos alimentos, como as fibras, que podem ser fermentados e com isso ativar as bactérias benéficas que coabitam o nosso intestino.
As bactérias ácido-láticas são assim chamadas porque fermentam diferentes tipos de açúcares, produzindo ácido lático. São amplamente estudadas e conhecidas como fundamentais na produção de alimentos fermentados.
Também são reconhecidas pelas suas propriedades probióticas, que inclui uma melhor digestão, regulação do trânsito intestinal e maior resistência contra patógenos. Isso acontece porque os probióticos estimulam a multiplicação de bactérias benéficas, que também competem com os microrganismos maléficos e podem reforçar os mecanismos naturais de defesa do nosso organismo.
As bactérias ácido-láticas têm despertado interesse devido às suas potencialidades para agregar características funcionais a determinados alimentos ou como suplementos.
No entanto, ainda há muito o que se descobrir. Elas precisam sobreviver às barreiras físicas e químicas e depois competir com uma centena de espécies de microrganismos presentes no intestino, para enfim, exercer seus efeitos benéficos.
Na verdade, até então essas bactérias são consideradas componentes da microbiota transitória, vindas do ambiente externo e presentes por períodos variáveis. E ainda não se sabe até que ponto esses microrganismos que ingerimos tornam-se membros da microbiota intestinal do ser humano.
Para tentar responder a essa questão, um grupo de pesquisadores formado por italianos e irlandeses realizaram uma análise genômica, publicada como artigo na revista Nature, fornecendo evidências de que os alimentos fermentados podem ser considerados uma possível fonte de bactérias ácido-láticas para a microbiota intestinal.
As bactérias ácido-láticas estão presentes na microbiota intestinal
Neste estudo foi realizada uma análise do genoma de alimentos e de humanos recentemente sequenciados para investigar a prevalência e a diversidade de espécies de bactérias ácido-láticas com o objetivo de identificar ligações entre o intestino e os microrganismos presentes nos alimentos.
Para isso, analisaram 303 metagenomas alimentares de diferentes alimentos e bebidas fermentadas, incluindo, entre outros, queijo, iogurte e kefir. Também foram analisados 9 445 metagenomas humanos representativos da microbiota de diferentes localizações do corpo (84% do intestino) e de diferentes populações.
Para deixar mais claro, o metagenoma refere-se a uma coleção de genes sequenciada do ambiente que pode ser analisada de uma forma análoga ao estudo de um único genoma.
A partir disso, descobriu-se que as bactérias ácido-láticas do intestino humano se assemelham àquelas normalmente encontradas em alimentos e bebidas fermentados. No entanto, a prevalência é variável e geralmente não são abundantes, sendo as espécies de Streptococcus thermophilus e Lactococcus lactis as mais prevalentes (31,2% e 16,3%, respectivamente).
O consumo contínuo dessas bactérias por meio da alimentação (principalmente laticínios) pode explicar esses achados, sugerindo que vale a pena explorar seu potencial como probióticos.
Por outro lado, uma ampla gama de espécies de Lactobacillus de origem alimentar foi detectada em prevalência mais baixa, sugerindo ser improvável que sejam parte da microbiota intestinal de humanos a longo prazo.
As bactérias ácido-láticas variam na microbiota intestinal com a idade e estilo de vida
O estudo demonstrou que a idade e o estilo de vida, considerando o consumo de alimentos fermentados que variam geográfica e culturalmente (com variações entre populações ocidentalizadas e não-ocidentalizadas) foram os fatores que mais afetaram a abundância de bactérias ácido-láticas na microbiota humana, sugerindo relação com a alimentação.
Por exemplo, a abundância de bactérias ácido-láticas tendeu a aumentar desde a infância até a idade adulta, o que pode ser devido ao aumento do consumo de alimentos fermentados, como iogurte e queijo.
Quanto à região geográfica, as bactérias ácido-láticas relacionadas a alimentos foram mais abundantes nas populações ocidentalizadas, principalmente os lactobacilos.
Por outro lado, a China e outros locais não ocidentalizados abrigaram microrganismos como Leuconostoc e Weissella, provenientes de vegetais e cereais fermentados, apesar de exibirem uma prevalência muito baixa Streptococcus thermophilus e Lactococcus lactis. Isso refletiu o menor consumo de laticínios dessas populações.
Vale lembrar que as populações não ocidentalizadas geralmente apresentam uma alimentação caracterizada pelo alto consumo de tubérculos, raízes e frutas. E geralmente os lactobacilos estão associados a alimentos derivados do leite que são mais abundantes em países da Europa e da América do Norte. Isso também aponta para a diversidade alimentar e importância da cultura na definição de nossos hábitos alimentares.
Mais comida, menos suplementos
Por fim, essa descoberta sugere que consumir alimentos ricos em bactérias ácido-láticas pode enriquecer a microbiota intestinal com efeitos potencialmente benéficos para a saúde, fornecendo uma ideia de quais bactérias ácido-láticas estão presentes no intestino humano. Também abre caminho para o uso da detecção de bactérias ácido-láticas na microbiota como um indicador do consumo de alimentos fermentados.
Para além da pesquisa, vejo esse estudo como um incentivo ao consumo de alimentos. Veja bem, o mercado está cheio de suplementos de probióticos e muitas pessoas os adquirem por pensarem que assim terão mais saúde, mas podem acabar gastando dinheiro à toa e consumindo produtos sem necessidade e em quantidades inadequadas.
Pois, enquanto isso, alimentos que são parte da alimentação da cultura alimentar do brasileiro, como os laticínios, também apresentam bactérias com funções benéficas para o nosso intestino e para a nossa saúde.
É bom lembrar que por si sós esses microrganismos não serão responsáveis por tornar você uma pessoa mais saudável. Do mesmo modo que não adianta consumir suplementos de probióticos sem necessidade, nem orientação, consumir apenas alimentos fonte de bactérias ácido-láticas não é o melhor caminho.
Foque em ter um estilo de vida mais saudável, com bons hábitos de vida (dormir bem, praticar atividade física, cuidar da saúde mental) e uma alimentação equilibrada e variada, preferindo alimentos in natura aos alimentos ultraprocessados, incluindo todos os grupos alimentares:
- Leguminosas (feijões, lentilha, grão-de-bico).
- Cereais (arroz milho, trigo, aveia).
- Raízes e tubérculos (aipim, inhame).
- Legumes e verduras.
- Frutas (abacaxi, banana, maçã, mamão, morango, uva).
- Laticínios (leite, iogurte, queijos).
- Carnes (de gado, porco, carneiro, aves, pescados) e ovos.
Dessa forma, além de probióticos, sua alimentação irá fornecer todos os nutrientes que o organismo necessita para ter saúde e funcionar bem. E o melhor disso tudo, você poderá comer com prazer, sem restrições e em paz com a comida!
Bon appétit!
Sophie Deram
Sobre a autora
Sophie Deram é uma nutricionista franco-brasileira, autora do best-seller “O Peso das Dietas”, palestrante, pesquisadora e doutora pela Faculdade de Medicina da USP (Universidade de São Paulo) no departamento de endocrinologia. Defende a importância do prazer de comer para a saúde e a ideia de comer melhor e não menos. Sophie não acredita nas dietas restritivas e no “terrorismo nutricional”. Desenvolve programas online para transformar a relação das pessoas com comida e ensina profissionais de saúde sobre nutrição que alia ciência e consciência.Leia mais no site da Sophie Deram: https://www.sophiederam.com/br/
Sobre o blog
Dicas, reflexões e estudos sobre a relação do nosso corpo com a comida, com foco em alcançar uma relação tranquila com os alimentos e, assim, obter um peso saudável. Esse é um espaço que passa longe dos modismos alimentares. Aqui promoveremos mudanças de hábitos que vão te ajudar a viver melhor. Acredito que o ser humano se nutre de alimentos e sentimentos.