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Blog da Sophie Deram

Jejum estressa o corpo e pode distorcer sua relação com a comida

Sophie Deram

29/08/2018 04h00

Crédito: iStock

Embora tenha virado moda nos últimos anos, a prática do jejum é milenar. No tempo das cavernas, o homem teve que aprender a lidar com os períodos de escassez para poder sobreviver.

Hoje, no entanto, vivemos no extremo oposto: tem comida em tudo quanto é lugar e os índices de sobrepeso só aumentam. Não é de se espantar que os modismos na área da dieta façam tanto sucesso! Todo mundo quer encontrar um jeito de emagrecer, de forma rápida e, de preferência, indolor.

O jejum intermitente é uma dessas modas que vieram e não passaram batido. O conceito gira em torno da privação total de comida durante certo período, que pode variar entre 12 até 23 horas. Existe também a opção de jejuar alguns dias da semana e comer livremente nos outros.

Já tem um tempo que esse método vem ganhando destaque, mas acho importante falar do tema justamente porque não vivemos mais na época das cavernas. Já passou da hora de construirmos uma relação mais coerente com toda a comida que temos à nossa disposição, sem precisar apelar para radicalismos e agredir nossos corpos.

Quem está muito acima do peso e vive entrando e saindo de dietas nem sempre consegue entender a minha abordagem, focada no "comer de tudo, mas não tudo!", com prazer e com moderação.

Geralmente são essas pessoas que se sentem seduzidas pelos métodos mais drásticos, porque preferem passar por um período de sofrimento e privação, mas emagrecer de vez, do que enfrentar um processo mais demorado de mudança de hábito, porém mais saudável.

Fazer jejum é um estilo de vida, e realmente pode ser indicado para algumas pessoas, além de também estar ligado a algumas culturas ou religiões. Mas não deveria ser encarado como dieta. Muito menos ser iniciado de forma indiscriminada, sem acompanhamento nutricional.

Então por que o jejum intermitente faz sucesso?

A prática começou a ganhar destaque quando alguns estudos a associaram à redução do risco de doenças como câncer e problemas cardiovasculares; à melhora da diabetes, dos níveis de colesterol, inflamações crônicas e doenças autoimunes.

Algumas pesquisas também indicam que fazer jejum pode prolongar o tempo de vida. E longevidade é a palavra do momento! Quem não quer passar dos 100 anos vendendo saúde?

Com o lançamento de livros sobre o tema e uma grande adesão da mídia e de celebridades, o jejum intermitente foi promovido ao "exterminador de gordura" da vez. E não demorou para virar uma das buscas mais populares no Google.

Mas gosto de reforçar sempre que é preciso critério para analisar as notícias relacionadas aos achados da ciência. Geralmente, estes estudos são feitos com grupos muito pequenos de pessoas. Ou, ainda, com roedores, e não podem ser imediatamente transpostos para a realidade de um ser humano.

Seres humanos trabalham, dirigem, caminham, vão para a academia, cuidam da casa, dos filhos… Enfim, precisam de combustível para dar conta de tudo isso. Comida é nossa energia e não deveríamos enxergá-la como nossa inimiga! Muito menos ter medo da nossa fome, que é algo completamente normal.

Jejum intermitente emagrece?

Assim como qualquer dieta que limite a quantidade de calorias, sim, o jejum intermitente pode acarretar uma perda de peso rápida. Só que nem sempre é um emagrecimento saudável –junto com a gordura, o corpo também geralmente perde água e músculos.

Além disso, nosso organismo entende a privação como agressão e volta lá pro tempo das cavernas, diminuindo o metabolismo e armazenando gordura. Não à toa, dietas restritivas são uma porta de entrada para o efeito sanfona e até um grande risco para o desenvolvimento de transtornos alimentares.

Ficar tanto tempo sem comer pode aumentar a obsessão por comida e por comer de forma descontrolada quando está fora do jejum. Ou seja: a pessoa pode perder os quilos, mas isso não quer dizer que não vai recuperar tudo depois.

O que a ciência diz?

Seria ótimo ter certeza sobre tudo na área de alimentação e dietas. Mas a ciência leva tempo para concluir certas coisas. A maior parte dos estudos sobre jejum intermitente são de curto prazo, então, ainda não houve tempo suficiente para se chegar a resultados mais complexos.

Quando o assunto é emagrecimento, as notícias também não são das mais animadoras. Um estudo publicado em 2017 pelo JAMA Internal Medicine mostrou uma análise com 100 pessoas com sobrepeso, expostas a três dietas diferentes.

Um grupo continuou se alimentando normalmente; outro, teve uma redução calórica e o terceiro fez jejum em dias alternados. Depois de um ano, os dois grupos que fizeram dieta de fato emagreceram com relação aos que não fizeram, no entanto, entre si, não houve muita diferença.

A perda de peso do grupo que fez jejum foi de 6%, contra 5,3% dos que tiveram redução calórica, algo bem pouco significativo. E o que aconteceu depois de seis meses? Voltaram a ganhar peso!

Vale a pena fazer jejum intermitente?

Não recomendo fazer jejum intermitente. Como sou defensora da moderação, acredito que este método não vale a pena se for encarado como dieta. Se for feito de forma irresponsável, sem acompanhamento de um nutricionista, pode até trazer problemas e colocar a saúde em risco.

Recentemente, um estudo brasileiro da USP observou em ratos um real impacto do jejum intermitente no risco de desenvolver até mesmo diabetes no longo prazo.

O jejum também pode fazer com que a pessoa fique mais desatenta, tenha tontura, dor de cabeça e mal-estar. Isso sem falar no mal humor e na irritação causada pela fome.

Além disso, trata-se de mais um método insustentável no longo prazo. Se você busca uma mudança efetiva na forma como se relaciona com a comida, busque o caminho do meio.

Achar o equilíbrio pode ser mais demorado, mas você fará um grande bem para o seu corpo e para sua mente se passar a comer de tudo com moderação. Se aprender a ouvir suas vontades, sem culpa, e a comer devagar, sem desespero, sem pressa.

Valorize os momentos de refeição, independente do que está comendo. Pode ser um prato de arroz com feijão ou um pedaço de bolo de chocolate com cobertura. Se parar tudo o que está fazendo e se concentrar, se entregando de verdade para o momento, vai perceber que não precisa de tanto para se satisfazer. E nem fazer jejum para se punir por excessos!

Bon appétit!

Sophie Deram

Sobre a autora

Sophie Deram é uma nutricionista franco-brasileira, autora do best-seller “O Peso das Dietas”, palestrante, pesquisadora e doutora pela Faculdade de Medicina da USP (Universidade de São Paulo) no departamento de endocrinologia. Defende a importância do prazer de comer para a saúde e a ideia de comer melhor e não menos. Sophie não acredita nas dietas restritivas e no “terrorismo nutricional”. Desenvolve programas online para transformar a relação das pessoas com comida e ensina profissionais de saúde sobre nutrição que alia ciência e consciência.Leia mais no site da Sophie Deram: https://www.sophiederam.com/br/

Sobre o blog

Dicas, reflexões e estudos sobre a relação do nosso corpo com a comida, com foco em alcançar uma relação tranquila com os alimentos e, assim, obter um peso saudável. Esse é um espaço que passa longe dos modismos alimentares. Aqui promoveremos mudanças de hábitos que vão te ajudar a viver melhor. Acredito que o ser humano se nutre de alimentos e sentimentos.