Pais nem sempre têm "culpa" pelo peso dos filhos; veja outros fatores
Criar bons hábitos alimentares nas crianças é um desafio dos grandes. Botar comida de qualidade na mesa envolve um conjunto de pequenas decisões que, ao final do dia, podem representar um grande cansaço.
Me refiro aos pais de crianças que estão muito acima ou abaixo do peso considerado saudável para sua faixa etária. Muitos se sentem fracassados, porque imaginam que falharam com seus filhos.
Isso acontece porque métricas como peso e IMC ainda são muito valorizados atualmente, embora a ciência já tenha mostrado que a saúde não se mede apenas por estes dois parâmetros.
De qualquer forma, essa noção aumenta a pressão e a cobrança entre as famílias que enfrentam esse tipo de desafio. E a hora da refeição, que deveria ser um momento de paz e união, vira uma batalha.
Eu sempre falo que a culpa ao comer é um dos piores reflexos da nossa cultura das dietas, e, nesse artigo, o foco é a culpa em não se sentir capaz de promover o equilíbrio alimentar do próprio filho.
Sentir culpa é desgastante, e isso infelizmente está muito enraizado na nossa sociedade. Há alguns anos, saiu na capa de uma grande revista uma matéria culpando os pais pela crise de obesidade infantil. Me lembro que fiquei muito incomodada na época ao ler aquilo.
Sou uma nutricionista que segue uma linha da nutrição com Ciência e Consciência, onde o comportamento é tão importante quanto o nutriente, então, tenho consciência que os hábitos dos pais e a relação que eles têm com a comida e o próprio corpo influenciam sim a saúde dos filhos – e isso muitas vezes se reflete no peso. Mas precisamos entender que existem também outros focos que impactam a forma como as crianças se alimentam.
O governo, por exemplo, que por muitas vezes é muito permissivo com relação à regulamentação dos alimentos industrializados, especialmente os ultraprocessados. A indústria alimentícia, que, apesar de nos oferecer muitas opções práticas, também está lotando as gôndolas com produtos de baixa qualidade e muito açúcar escondido, descrito no rótulo com nomes incompreensíveis. E nem vamos entrar no mérito da publicidade infantil, porque isso renderia outro texto…
Mas, pensando de forma prática, o que você pode começar a fazer? Primeiro, pense em todos os ambientes que seu filho frequenta. Escolas, centros comunitários, clubes, eventos do seu condomínio ou do bairro onde mora…como é a oferta de alimentos? Tem qualidade?
Existe algum incentivo para que tomem mais água ao invés de refrigerante e suco industrializado, e comam mais alimentos in natura? Existe estímulo para que brinquem, corram, gastem energia?
Claro que a responsabilidade dos filhos é dos pais. Mas seria interessante que os outros agentes que compõem o universo deles estivessem alinhados num mesmo propósito, que é o de oferecer uma vida mais ativa e refeições de mais qualidade.
Que tal se unir com outros pais com o mesmo objetivo, para pensarem em ações conjuntas? Esse desafio pode ficar mais fácil se houver parceria e colaboração de todos que fazem parte da vida das nossas crianças. E, às vezes, mudando a postura micro, dentro da sua comunidade, você influencie as ações macro – como na indústria e no governo, mencionados acima.
Como você responde à fome do seu filho?
A ideia desse texto nasceu com uma pesquisa que vi a respeito da resposta dos pais diante do comportamento alimentar dos filhos.
Pesquisadores do King's College London e da University College London (UCL) descobriram que não é correto dizer que o peso de uma criança é consequência da forma como os pais a alimentam. Na verdade, é o contrário: os pais alimentam os filhos de acordo com o comportamento deles diante da mesa.
Isso ficou bem claro após detectarem que pais que tinham filhos acima do peso tinham uma tendência maior a focar na restrição alimentar, com regras mais rígidas. Isso pode gerar ainda mais fome e depois exageros, e, a partir disso, muitas crianças comem ainda mais, ou podem começar até a comer escondido ou desenvolver algum transtorno alimentar.
Já os pais de crianças que davam trabalho para comer demonstravam uma maior tendência à pressionar os filhos para "raspar o prato". Ou seja: essa estratégia pode fazer com que a criança fique ainda mais restritiva e encare o momento da alimentação como uma obrigação estressante, chata e cansativa.
Publicado na revista científica PLOS Genetics, o estudo vem justamente para amenizar um pouco a culpa que os pais sentem. Porque, ao contrário do que se possa imaginar, muitos estão simplesmente reagindo a um comportamento da criança no intuito de ajudar, mas, com isso, conseguindo o efeito contrário.
Então qual seria a solução?
A solução é simples: respeitar a fome do seu filho. Isso não quer dizer que você tem que fazer todas as vontades dele.
Mas sim, focar em oferecer mais comida fresca e caseira, respeitando uma rotina de horários (tanto para comer, quanto para outras atividades), mantendo uma disciplina e tentando ter momentos com a família reunida na mesa, comendo em paz, sem muitas interrupções e distrações.
Se o seu filho gosta de comer bastante, e deseja repetir, você não precisa repreendê-lo. Se ele passar muita vontade das coisas, pode ser que exagere muito quando você liberar. Então, confie: aos poucos, essa ansiedade tende a diminuir e ele passará a entender melhor o próprio corpo e a quantidade que precisa comer.
Se o seu caso é o contrário, aquela criança que não come nada, não se desespere. Deixe que ela coma a quantidade que quer comer, e respeite. Mas sem fazer substituições ou dar outras coisas "para complementar", como leite aromatizado, bolachas, iogurtes doces…porque isso pode virar um hábito de não comer nas refeições principais.
Se ele sair da mesa sem comer muito, provavelmente vai chegar à próxima refeição com uma fome maior. Espere que ele tenha fome e vontade de comer comida!
Procure incentivar um bom ambiente em torno da mesa, sem muita cobrança em torno do peso e do corpo. Priorize a saúde e o bem-estar do seu pequeno. Isso será importante para que ele enxergue a alimentação de maneira mais tranquila.
Se você não está em paz com a comida, pode ser interessante você melhorar isso também e talvez buscar ajuda. Assim, você ajudará seu filho a ter mais tranquilidade frente à comida e a ser mais autônomo e mais consciente. É o melhor presente que pode dar para seu filho.
Bon appétit!
Sophie Deram
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