Vovó tem "estragado" a alimentação do seu filho? Saiba como lidar
"Vó é mãe com açúcar". O ditado popular carregado de carinho é uma realidade na vida de pais que trabalham e contam com o apoio dos avós na educação dos filhos. As crianças geralmente não têm do que reclamar: muitas vezes, o que é proibido em casa é normal na casa da vovó.
O problema é quando a orientação alimentar é muito diferente nos dois ambientes, o que pode gerar impasse quando os lados não se entendem. "Eu criei você assim e você cresceu cheio de saúde!" –frequentemente, essa é a linha de raciocínio dos avós, ou seja, a intenção sempre é a melhor.
Já atendi muitos pais e mães nessa situação no ambulatório de Obesidade Infantil do Instituto da Criança e do Hospital da Clínicas (FMUSP). As famílias de classe C e D frequentemente eram compostas por mães que precisavam trabalhar e deixavam os filhos com os avós.
A minha primeira orientação, nestes casos, é que eu queria conhecer essas avós. Afinal, eram elas que ofereciam os alimentos para as crianças. Na maior parte das vezes, eu me deparava com aquelas vovós muito fofas, com um histórico duro de pobreza e que tiveram pouco acesso à educação.
Muitas passaram fome, então, queriam o oposto para os seus netos. Queriam o melhor para eles e usavam o doce como forma de agradar. Algumas ainda enxergam valor em poder comprar industrializados, justamente porque não tinham esse acesso no passado. Então, poder dar para o neto um bolo de pacote ou uma bolacha recheada é visto como status.
Para os pais, realmente fica difícil. Muitos se matam de trabalhar para oferecer uma alimentação saudável, mas no dia a dia não tem como administrar a quantidade de açúcar, refrigerante e guloseimas caseiras e ultraprocessadas que os avós oferecem no intuito de agradar os netos.
É realmente uma encruzilhada, porque fica nítida a boa intenção em ambos os lados.
"Essa menina precisa emagrecer"
Na outra ponta, temos casos de avós que não passaram fome, não viveram essa escassez, mas em contrapartida dão muito valor à imagem corporal e vão para o extremo oposto. Acabam proibindo muito e ressaltando frases que podem atrapalhar a relação dos pequenos com a comida.
De novo: a intenção é sempre a das melhores. Mas se a criança cresce em um ambiente onde o tempo todo se fala que "isso engorda", que "deveria fechar a boca", e que "está comendo demais", pode acabar associando o ato de comer a algo feio, proibido e errado.
E isso pode ser um primeiro passo para transtornos alimentares e também para um comer escondido ou sem controle, que pode gerar excesso de peso.
Em ambos os cenários, é preciso muito respeito e compreensão de ambas as partes para se chegar a um acordo.
O poder da parceria
Para resolver essas questões, nada melhor do que pais e avós trabalharem juntos. Se é a avó que cuida dos filhos, ela precisa ser envolvida nas consultas médicas, porque é importante que ouça de um profissional orientações sobre alimentação infantil.
Além disso, é importante que todos estejam apoiados em dois pilares básicos na prevenção da obesidade infantil e transtornos alimentares:
- Diga não às dietas restritivas: a dieta aumenta o descontrole diante da comida e incentiva um comer transtornado.
- Incentive a criança a ter uma imagem corporal positiva: evite focar no peso, busque saúde e qualidade de vida.
Vale a pena assistir à minha palestra no TEDx sobre o peso das dietas em crianças.
Tirando o doce da boca da criança (com ternura)
Quando digo "não às dietas restritivas", não quero dizer que pode liberar tudo, mas que prefiro focar na qualidade alimentar. Então, é preciso que as avós entendam que excesso de açúcar e de alimentos industrializados não favorece uma alimentação adequada.
Sendo assim, a melhor coisa é dialogar e dar dicas práticas. Por exemplo, hoje vemos a importância da qualidade da alimentação no impacto da saúde. O que mais tem qualidade? Alimentação fresca, caseira e in-natura. Quando existe essa opção, é muito mais interessante oferecer um bolo de cenoura caseiro do que uma versão pronta (mesmo que seja light). É muito melhor oferecer iogurte natural com frutas do que um um iogurte aromatizado. É muito melhor um suco caseiro, chá ou água saborizada do que suco de caixinha e refrigerante.
Tudo em paz, sem demonizar os alimentos industrializados e práticos que podem fazer parte ocasionalmente da alimentação. Simples assim, como era no tempo delas: no tempo das nossas avós. É uma questão de conversar e ampliar essa noção de que comida fresca e caseira é a melhor opção para a saúde das crianças.
As avós podem ser parceiras sensacionais na criação dos filhos, porque muitas não viveram esse terrorismo nutricional que vivemos hoje. Estão em paz com a comida, comendo arroz, feijão, doces caseiros, frutas, salada –tudo em quantidade moderada. Vamos valorizar nossa história, nossa cultura e voltar para o básico? Resgate as receitas da família e cozinhe com seus filhos!
Confie na cria
Por fim, uma dica importante: aprenda a confiar no seu filho. Se você está em paz com a comida dentro de casa e incentiva comportamentos adequados diante da comida, ele vai saber se virar. Nós observamos que quando a criança está em paz com o alimento, ela não exagera, nem na casa da avó, nem na dos amiguinhos, nem mesmo nas festinhas.
O oposto acontece com aquelas que vivem em restrição: qualquer "escapada" é motivo para aproveitar o momento e comer tudo o que pode com exagero. Fora de casa os pais não têm mesmo controle e a criança precisa também saber que existem outras formas de viver e de se alimentar.
Então, relaxe um pouco e concentre sua energia em manter a paz da família em torno da mesa e valorize ainda ter as avós participando. Assim, não vai ter certo e errado, mas sim um entendimento que comer é parte importante da vida e se alimentar bem é mais simples do que se imagina. Simples e gostoso, como um almoço na casa da vovó!
Bon appétit!
Sophie Deram
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