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Blog da Sophie Deram

"Fat talk": em 2019, vamos parar de dizer que estamos gordos?

Sophie Deram

02/01/2019 04h00

No começo do ano, a maioria das pessoas se sente motivada a espalhar mensagens bonitas e carinhosas entre as pessoas queridas. Mas hoje eu começo esse artigo propondo uma reflexão: quais palavras você tem dito para você mesmo?

Você tem se aceitado, com tudo o que considera como "imperfeições", ou vive caçando defeitos aqui ou ali? Bem, mais do que uma reflexão, quero sugerir um desafio: em 2019, vamos parar de praticar fat talk?

Se você não sabe o que é isso, eu explico. Essa expressão define o ato de falar de forma negativa sobre a aparência, o peso, o tamanho ou a forma do próprio corpo . Pesquisadores da área do comportamento vêm investigando de que forma isso afeta as pessoas e suas relações.

E hoje escolhi esse assunto justamente porque o interesse sobre dietas restritivas e fórmulas para emagrecer aumenta muito no começo do ano. É comum as pessoas colocarem "entrar em forma" no topo da lista, geralmente porque durante as festas de fim de ano se permitem comer um pouco mais e relaxar da academia.

E tudo bem, isso é normal! Ninguém deveria se sentir culpado por cometer um exagero ocasional, principalmente quando o motivo é tão nobre quanto festas que reúnem pessoas queridas ao redor da mesa.

Mas aí vira o ano e você começa a ouvir aquele tipo de conversinha no elevador, no almoço com o pessoal do trabalho, na academia: "preciso perder tudo que ganhei na comilança do fim do ano".

E isso abre precedente pra todo mundo que está ao redor também a começar a falar mal do próprio corpo. "Eu sou tão gorda, preciso perder peso". "Ela realmente não tem pernas para usar essas calças". "Você está ótima! Você perdeu peso? ". "Queria diminuir isso". "Queria mudar aquilo". "Queria eliminar tantos quilos". "Preciso parar de fazer gordice", etc. Isso também é considerado normal, especialmente no Brasil, onde a pressão estética é uma realidade.

Uma vez ou outra, todo mundo diz. Mas se virar um hábito, a fat talk é nociva.

Veja que interessante: um estudo feito pela University of Pittsburgh mostrou que a fat talk é contagiosa, ou seja, quando uma pessoa começa a falar disso, acaba incentivando quem está ao redor a também falar mal do próprio corpo.

Outras pesquisas também já identificaram que esse tipo de conversa aumenta a insatisfação corporal e a obsessão pelo ideal magro.

Note que esse tipo de sensação não traz nada de positivo. Não é se auto-depreciando que você vai conseguir chegar ao peso que gostaria de ter. Fora que isso também pode colocar pra baixo o interlocutor da conversa, já pensou nisso?

Imagine que você está conversando com uma amiga que está super bem com corpo dela. Mesmo assim, o fato de você começar a caçar defeito no seu próprio corpo pode levá-la a fazer o mesmo. E comece até a achar problema onde não tem!

Ou então, imagine que você está conversando com uma amiga que não está bem com o próprio corpo, ou, talvez, esteja até mais acima do peso saudável do que você. Já imaginou como essa amiga vai se sentir? É preciso ter empatia e se colocar no lugar do outro antes de fazer esse tipo de comentário. A minha sugestão, afinal, é não fazer esse tipo de comentário em circunstância nenhuma! Nem entre amigos, nem para você mesmo.

As palavras têm poder e quanto mais você diz para você mesmo que seu corpo é feio, está fora do padrão, está muito gordo, menos você se aceita e se ama. E maior a chance de entrar num looping sem fim de insatisfação, procurando mais dietas, se punindo por comer demais, sentindo culpa, se desgastando com tratamentos, com academia mesmo sem gostar; ou com soluções ainda mais drásticas, como remédios ou transtornos alimentares sérios.

Sim, uma simples conversinha que começa com "estou muito gorda" pode se tornar um problemão. Então, porque não colocar no topo da sua lista para 2019: "chega de fat talk"?

Chega de dizer para si mesmo que você não é suficiente. Em vez de ficar na posição de vítima, reclamando das coisas que não gosta, adote uma postura mais ativa. Arregace as mangas e veja o que você realmente pode fazer pela sua saúde:

  1. É sedentário? Então talvez seja a hora de cuidar melhor do seu corpo fazendo uma atividade que seja prazerosa, e que você consiga manter no longo prazo. Se gosta de academia, comece com calma, com metas possíveis, sem exagero, para não enjoar nem sobrecarregar o corpo. Se não gosta, não tem problema! Existe um milhão de outras atividades físicas que podem te ajudar a manter o corpo ativo e a saúde em dia.
  1. Tem algo que você precisa mudar na alimentação? Que esteja te incomodando? Acha que está comendo demais? Ou talvez de menos, e passando muita fome com medo de engordar? Aproveite o início do ano para fazer essa avaliação, e procure um nutricionista para te ajudar a fazer as melhores escolhas.
  1. Como está a qualidade do seu sono? Acha que dorme o suficiente? Tem um sono bom ou acorda muito cansado? Se não está satisfeito, reveja sua rotina noturna. O sono influencia muito na qualidade da sua saúde, e, consequentemente, no seu peso.
  1. E a saúde mental, como está? Estresse, excesso de trabalho, muitos problemas e pouco tempo para momentos de lazer e para a vida social? Reavalie! A saúde é a junção do bem-estar físico e mental. De nada adianta você comer bem e ter disciplina com os exercícios físicos se outros aspectos da sua vida não vão bem. É começo do ano, é uma boa hora para fazer este tipo de ajuste.

Procure ajuda se achar que não consegue sozinho, isso não é motivo para se envergonhar ou se achar incapaz.

Tenho certeza que depois de fazer essa análise mais profunda, não vai sobrar tempo para conversa sobre os "defeitos" do seu corpo, porque, a partir desse equilíbrio físico e emocional, você vai ver que o peso é só um número, que, definitivamente, não é capaz de tirar a sua alegria de viver.

Em 2019, não fale de peso. Fale de saúde. E seja feliz!

Bon appétit!

Sophie Deram

Sobre a autora

Sophie Deram é uma nutricionista franco-brasileira, autora do best-seller “O Peso das Dietas”, palestrante, pesquisadora e doutora pela Faculdade de Medicina da USP (Universidade de São Paulo) no departamento de endocrinologia. Defende a importância do prazer de comer para a saúde e a ideia de comer melhor e não menos. Sophie não acredita nas dietas restritivas e no “terrorismo nutricional”. Desenvolve programas online para transformar a relação das pessoas com comida e ensina profissionais de saúde sobre nutrição que alia ciência e consciência.Leia mais no site da Sophie Deram: https://www.sophiederam.com/br/

Sobre o blog

Dicas, reflexões e estudos sobre a relação do nosso corpo com a comida, com foco em alcançar uma relação tranquila com os alimentos e, assim, obter um peso saudável. Esse é um espaço que passa longe dos modismos alimentares. Aqui promoveremos mudanças de hábitos que vão te ajudar a viver melhor. Acredito que o ser humano se nutre de alimentos e sentimentos.